Levada de Maceió, o porto da cidade restinga

Porto da Levada em Maceió na década de 1920. Foto de Rogato

Maceió surgiu sobre uma planície aluvial, formação geológica oriunda dos sedimentos trazidos pelo Rio Mundaú, que formaram uma restinga bloqueando seu estuário.

O geógrafo Ivan Fernandes Lima em seu livro Geografia de Alagoas definiu esta restinga como a mais importante do litoral alagoano.

Esta formação durou séculos para se consolidar e os últimos resquícios deste período foram os diversos canais e alagadiços encontrados pelos primeiros habitantes de Maceió.

Um deles, talvez o maior, interligava a lagoa ao mar atravessando a restinga por uma área onde hoje se localiza a Praça do Pirulito. Foi este que deu origem ao Canal da Levada, e ao Porto da Levada.

Porto da Levada em 1920

Este acesso a Maceió pela Lagoa Mundaú (ou do Norte) se dava antes pelos portos de Bebedouro e do Trapiche, este último recebendo as mercadorias e passageiros dos lugares banhados pela Lagoa do Sul ou Manguaba, principalmente de Marechal Deodoro e Pilar.

Em um relatório de 1926, o governador Costa Rego deixou registrada a seguinte informação: “Não há mais de 150 anos, a barra era na Levada [se referia a saída da Lagoa Mundaú para o mar], cuja topografia ainda hoje apresenta uma depressão em direção ao mar; seguindo sempre para o sul, localizou-se [depois] perto do lugar onde existe o Trapiche da Barra, denominação que é uma verdadeira inscrição histórica, porque evoca o fato que se quer precisar; descendo sempre para o sul, a barra está hoje a cerca de seis quilômetros da antiga embocadura da Levada”.

Planta de Maceió em 1868

Com o tempo, esse canal foi sendo naturalmente assoreado em sua parte intermediária, deixando um área alagadiça que ficou conhecida como Largo do Cotinguiba, que envolveria hoje a Praça do Pirulito, se estendo até as proximidades da Praça Deodoro.

Com a ocupação urbana desta área, o Largo do Contiguiba foi reduzido ao espaço que depois foi ocupado pela Praça Deodoro. O Largo remanescente recebeu a denominação de Largo do Bom Conselho por causa da Rua do Conselho, que ficava mais próxima ao terminal ferroviário.

Foi este espaço que deu origem ao Parque Rodolfo Lins, em denominação oficializada pelo Decreto n° 642, de 23 de abril de 1947. Por seu formato, logo ficou conhecido como Praça do Pirulito, que terminou prevalecendo e oficializado pela Lei nº 3.988 de 7 de agosto de 1990, de autoria do vereador Enio Lins.

No início do século XIX, o Canal da Levada era navegável por canoas ou barcaças até somente onde hoje está o antigo Mercado Público.

O alagadiço, que seria sua continuidade, foi aterrado muitos anos depois e assim surgiu o Parque da Levada, depois Praça da Levada, Praça Pedro Paulino e Praça Emilio de Maya.

O Largo do Contiguiba e suas adjacências também funcionava como destino das águas das chuvas que desciam pelas grotas nas barreiras do Jacutinga, atual Farol. Os mais antigos testemunham que no inverno a Rua do Livramento (que já foi em sua parte mais ao sul Rua do Cotinguiba) se transformava num verdadeiro córrego levando água barrenta para o Largo, que ficava alagado durante o período chuvoso.

Parte dessa água era levada por um rego até o Riacho Maceió. A atual Rua Dias Cabral até 21 de julho de 1885 era conhecida como Rua do Reguinho devido a esta canalização. A mudança de denominação se deu dois dias após a morte do médico, jornalista e historiador João Francisco Dias Cabral.

Uma nota publicada no Gutenberg de 21 de maio de 1887 revela os problemas naquela artéria: “As casas todas da rua do Reguinho estão inundadas, com os quintais debaixo d’água, porque está entupida a bomba da rua do Aterro do Cemitério”.

Desobstrução

Os governantes de Alagoas da primeira metade do século XIX viam na desobstrução do Canal da Levada um investimento necessário para o desenvolvimento econômico da vila, permitindo que as mercadorias transportadas via lacustre tivessem um porto praticamente dentro da vila.

Em 1836, durante o governo de Joaquim Moira, surgiu a proposta de “rasgar-se da Ponta Grossa à rua da Cotinguiba [trecho final da Rua do Livramento] na Vila de Maceió”. Seria em linha reta e teria como curso o que é atualmente a Rua Formosa.

Essa opção foi descartada e os investimentos captados por doação foram dirigidos para a desobstrução e prolongamento do canal da Levada até a mesma Rua do Continguiba.

Largo da Levada onde será construída a capela em 1867 e posteriormente a Praça das Graças

Dois anos depois, o presidente Rodrigo Pontes informou que não prosseguiria com a obra por falta de recursos. Como haveria desapropriações e o processo teria que tramitar na Assembleia Legislativa, o governante optou pela paralisação.

Muitos dos prometeram contribuir, voltaram atrás justificando que se prontificaram a ajudar na abertura de um canal em linha reta vindo do Canal da Ponta Grossa.

Enquanto se decidia o problema do canal, do outro lado do alagadiço foi-se ampliando a ocupação urbana, que no primeiro momento se deu no entorno do Porto da Levada.

A Rua Formosa, que foi planejada para atingir o porto do Canal da Ponta Grossa, era a continuação da Rua do Livramento. A Rua 16 de Setembro era outra via importante da Levada. Foi ela quem contribui para a formação do largo que anos depois deu origem à Praça das Graças.

Essas áreas não-alagáveis eram naturalmente valorizadas, como se percebe no registro de lançamento da pedra fundamental da Matriz de Nossa Senhora das Graças, em 1º de novembro de 1867.

Este documento revela que a escolha do local observou as limitações para construções naquela área: “seria o local mais ideal por ser em terreno alto e terra massapê, com uma inclinação larga desembocando na Ponte da água negra”.

Em junho de 1850, o projeto para o Canal da Levada já era mais ambicioso: pretendia-se interligá-lo com o Riacho Maceió — nosso Salgadinho —, que então desembocava na Praia do Sobral.

Para tal fim, o governo autorizou o engenheiro inspetor de Obras Públicas a levantar a planta e fazer o orçamento.

Havia ainda a possibilidade de se estabelecer a interligação com a Lagoa das Águas Negras, na antiga Boca de Maceió, região hoje ocupada pela Rua Pedro Monteiro e Estação Ferroviária.

Porto e Canal da Levada no início do séc. XX

Em 1851 um novo projeto para o canal foi elaborado pelo Conselho de Obras. A proposta era a de construir um canal em linha reta a partir do Matadouro. O Engenheiro da Província avaliava que as despesas seriam as mesmas da desobstrução da “antiga Levada”.

Quando o presidente da Província era José Antônio Saraiva, em 1854, a obra iniciada por José Bento da Cunha Figueiredo continuava sob a direção do Capitão de Engenheiros Marcolino Rodrigues da Costa, que previa para dez meses o início da utilização das muralhas como cais de desembarque de mercadorias e passageiros.

“Dois amplos desembarques oferece a Bacia, um para a praça, que se destina às mercadorias importadas diariamente para o consumo, e que se vendem na Praça do Mercado; outro para o lado Oeste, para materiais: no topo, lado do Sul, fica a plataforma onde se colocará um guindaste móvel para suspender fardos, caixas de açúcar e outros objetos de peso, que ficarão por momentos no alpendre, onde também deve residir o guarda fiscal da Bacia”, explicou o engenheiro.

Porto da Levada em uma das sua reinaugurações, em 1912

Aproveitando a presença do imperador D. Pedro II na capital em dezembro de 1859 e janeiro de 1860, o governador Sousa Dantas solicitou o seu apoio para a conclusão das obras do canal.

Recebeu dele a ajuda de 4:000$000 réis. Com dinheiro em caixa, o governador solicitou ao engenheiro Brigadeiro Niemeyer que adquirisse no Rio de Janeiro uma barca de escavação cujo preço ficasse em torno dos 9:000$000 réis.

Não foi adquirida. No ano seguinte o governador Pedro Leão Veloso explicava que o canal ainda não tinha sido construído por falta de recursos. Informava que incumbiu o Barão de Jaraguá, que estava de viagem marcada para a Bélgica, de averiguar naquele país o preço de uma “máquina de escavação”.

Durante o governo de João Vieira de Araújo, em 1875, como a obra não avançava, surgiu a proposta de realizá-la “por iniciativa particular mediante a concessão de um privilégio para pedágio”. O pedido de autorização para esta parceria público-privada foi enviado à Assembleia.

A proposta do engenheiro Andréas Cerondack incluía a ampliação das obras com o prolongamento do canal até o oceano e o fechamento da barra no Pontal para aumentar o volume d’água nas lagoas Mundaú e Manguaba.

Sem autorização da Assembleia, o governador encaminhou seu pedido ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que solicitou os estudos do engenheiro.

Área aterrada do Canal do Levada, com o porto ao fundo

Com o custo da obra inviabilizando a sua execução governo após governo, o projeto da abertura do canal até o Cotinguiba foi abandonado.

A prioridade na Levada, com seus alagadiços cheios de lixo, passou a ser o de acabar com “os focos de infecção” e de “miasmas” que afetavam a saúde daquela população.

Foi o período do higienismo, quando as águas estagnadas dos mangues e charcos eram identificadas como as responsáveis por várias doenças.

Segundo os relatórios da época, estes alagadiços emanavam miasmas, gases malcheirosos originários de matérias pútridas depositadas principalmente em águas paradas. Foi este conhecimento que levou, no final do século XIX, muitas cidades a receberam a ação dos higienistas, com canalizações de águas, mudanças de cursos e aterros.

Assim, em 1890 alguns aterros e investimentos em urbanização foram realizados na Levada, permitindo o surgimento da Praça da Intendência (área onde em meados do século XX foi construído o Mercado Público). “Foi construído um elegante e sólido pontilhão de alvenaria sobre o canal onde se depositam as águas pluviais que descem da cidade para a Levada”, informava o governador Pedro Paulino da Fonseca.

No O Orbe de 8 de dezembro de 1896, uma nota intitulada “O distrito da Levada” confirma os poucos investimentos públicos no bairro:

“Não podemos deixar de clamar contra o abatimento, ou por outra, contra a falta dos olhares dos poderes públicos, quanto ao Distrito da Levada, importante bairro desta capital.

Este importante bairro, além de ser um que muito concorre para a vida de toda essa população, é também uma boa fonte de receita para o estado e o município.

Pode-se fazer uma ideia de desenvolvimento lançando-se à vista para o seu progresso.

Há bem pouco via-se ali uma ou outra rua, sendo todo o perímetro hoje habitado por um verdadeiro agreste sem valor nenhum.

Antes de sua habitação atual, ninguém se acusava de ser possuidor de terrenos; porque de nada servia tal posse.

Hoje, segundo o último recenseamento, temos nesse rico bairro mais de 6.000 habitantes.

O que desejamos mostrar ao público é o completo abandono de seu perfeito embelezamento.

Em 1880, no alto do Jacutinga, também bairro desta capital, onde se acha edificado o farol, pela edificação só existia o antigo paiol da pólvora e umas duas choupanas de palha.

Hoje vê-se ali não só uma cidade em florescência, como toda a convergência com todos os benefícios públicos, sendo que até a iluminação é pelo sistema de eletricidade.

Jaraguá, o rico bairro desta capital, tudo tem merecido do governo.

A Levada, que hoje conta uma avultadíssima décima urbana em suas ruas com muitas casas de negócio, só mereceu a honra de um melhoramento no governo do coronel Pedro Paulino da Fonseca, que aterrou a bacia da Levada e fundou a praça que hoje chama-se da Intendência.

Uma pequena ponte que liga o arrabalde da Água Negra ao da Levada e nada mais até hoje”.

Por sua insalubridade, a Levada era tratada como área degradada, um espaço popular ocupado somente pelos que não tinham condições de morar na parte mais alta da vila, como afirmou Octávio Brandão: “A morada pelas margens dos canais e das lagoas é nociva, o que não sucede no alto das colinas”.

Largo do Bom Conselho, futura Praça do Pirulito, no Dia da Árvore em 1943

E continuou o autor de Canais e Lagoas: “Os pântanos inúmeros; os mosquitos inumeráveis, as fossas fixas nauseabundas; as sarjetas hediondas; as casas sujas, lôbregas, úmidas, escuras; o lixo nas ruas; os quintais imundos; os restos de animais mortos, abandonados ao tempo e aos urubus; a alimentação miserá (sic) os excessos alcoólicos e sensuais; o depauperamento geral da sociedade que aí vegeta”.

A Levada só voltou a receber atenção dos governantes em 1915, quando o governador Clodoaldo da Fonseca autorizou aos engenheiros José Antônio Marques e Eduardo Whithurst a construírem um porto “para as pequenas embarcações que abastecem o mercado público com inúmeras mercadorias, aterrando ao mesmo tempo toda a área que forma a grande Praça Pedro Paulino”.

A obra teve continuidade durante o governo de Fernandes Lima e somente foi inaugurada em 1925, quando o governador Costa Rego já discutia a possibilidade de construir um aeródromo no Vergel do Lago, e o prefeito de Maceió, José Moreira da Silva Lima, aterrava parte do canal da Levada.

Mercado de Maceió em 1939

Os aterros realizados na Levada significavam também que havia uma diminuição dos transportes lacustres. Esse período coincide com o crescimento dos transportes rodoviários e aeroviários. Mesmo assim, os portos da Levada e de Bebedouro ainda sobreviveram até os anos 70.

Com estas alterações, a Levada cresceu como área de moradia e de expansão do comércio da cidade.

Praças foram urbanizadas e um cinema foi instalado (inaugurado no dia 23 de dezembro de 1928) com frente para a Praça Emílio de Maya e fundos para a Rua 16 de Setembro, distribuição que foi invertida muitos anos depois.

O Cine Ideal surgiu por incentivo do padre Pedro Cavalcanti de Oliveira, que ajudou a José Cavalcanti Filho e Iago Coelho a montarem aquela casa de exibição cinematográfica.

A Matriz de Nossa Senhora das Graças, localizada na praça do mesmo nome, funcionava como um ponto de valorização do bairro, que tinha uma forte atuação política do Padre Pedro.

Praça Emílio de Maya nos anos 40

Nesse período, o bairro recebeu também o novo mercado da capital e a Praça Emílio de Maya foi reurbanizada, passando a ter no seu entorno equipamentos importantes, como o Restaurante Gracy, Colégio São José e a Primeira Igreja Batista.

Em 1942, no período da Segunda Guerra Mundial, a Zona Sul de Maceió recebeu novos investimentos com a instalação de uma base militar no Vergel do Lago e com o asfaltamento da Rua Santo Antônio, que foi o primeiro logradouro público a receber esse tipo de pavimentação em Maceió. O benefício só foi possível, em 1942, graças a uma parceria entre a “Panair do Brazil” e a Prefeitura da capital.

Nos anos da década de 1960 e 1970, o entorno do canal voltou a ser alterado com novos aterros e a construção do Conjunto Residencial Força Total, uma realização do governador Luiz Cavalcante.

Canal da Levada durante a construção do Mercado da Produção e o surgimento da Vila Brejal

Alguns eventos posteriores deram a feição que o bairro tem hoje. Os mais importantes foram: inauguração do Mercado da Produção, ocupação da Praça Emílio de Maya por camelôs, surgimento da Vila Brejal e a urbanização da orla lagunar, que recebeu aterro e a Avenida Leste-Oeste durante a gestão do prefeito Dilton Simões.

Hoje, o velho Canal da Ponta Grossa está reduzido a um pequeno trecho do seu trajeto original, que sobrevive interligado a um dos seus braços, o Canal da Águas Negras. Um verdadeiro esgoto a céu aberto.

O bairro vem se consolidando como área comercial e de serviços, perdendo lentamente seus moradores. Sua origem lacustre só é lembrada durante as cheias.

9 Comments on Levada de Maceió, o porto da cidade restinga

  1. João Evangelista Silva, especialista em Direito Processual. // 16 de maio de 2017 em 22:13 //

    Pesquisa enriquecedora, em todos os níveis da inteligência humana. Meus aplausos!

  2. André José Soares Silva // 17 de maio de 2017 em 10:36 //

    Mais um resgate da nossa história. Sou oriundo do Prado, e como todo morador do referido bairro tenho uma forte ligação com a Levada, seja pelo mercado, o cinema e ou a Matriz das Graças.

  3. Fiquei feliz em encontrar esse sítio com tamanha riqueza de informações e detalhes, mas triste pelos relatos de tempos de “progresso”, (des)aministrações e descaso, do poder público e da população. Maceió poderia ser tão mais agradável e bela, mais planejada e cuidada, sem lixo e esgoto na proporção que apresenta. Poderia oferecer mais que um espaço de lazer para turistas e visitantes eventuais.

  4. Ivine Honorato // 17 de março de 2019 em 13:16 //

    Como faço para conseguir as imagens em um tamanho maior? Gostaria de usá-las em um vídeo acadêmico. Ótimo artigo por sinal, está nos ajudando bastante a montar o roteiro do vídeo.

  5. Maria Karolina Rego de Sant' anna // 2 de fevereiro de 2020 em 18:31 //

    Que maravilha de pesquisa, parabéns a todos os envolvidos, muito enriquecedor!

  6. Ana Maria da Silva // 27 de abril de 2020 em 17:11 //

    Meu Deus como seria um sonho encontrar a família de minha mãe que saiu desse lugar e deixou toda a família e veio pra São Paulo e jamais teve contato com ninguém hj já falecida mais é tão sonhado conhecer meus parentes o nome dela era Maria José da Silva se alguém souber alguma coisa por favor entrar em contato o marido dela era Jaime Costa Lima agradeço 🙏🙏

  7. DJENANE COSTA D OLIVEIRA HOLANDA // 21 de novembro de 2020 em 01:36 //

    Meu bisavô Armando Dias tinha uma vinicula no Bairro da Levada, mas não encontro nenhum registro, se alguém tiver alguma informação…tenha muita vontade de conhecer melhor a história da minha família.

  8. Francisco Lopes // 24 de maio de 2021 em 13:53 //

    Excelente resgate da nossa história! Gostaria de saber porquê o nome da Praça do Pirulito? Hoje “Parque Rodolfo Lins” (Levada)…?

  9. Ticianeli // 24 de maio de 2021 em 15:27 //

    Praça do Pirulito surgiu por causa do seu formato triangular.

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