Igreja dos Martírios, dos pretos para a aristocracia

Igreja dos Martírios durante a reforma da Praça em 1963
Igreja dos Martírios no início do século XX

Igreja dos Martírios no início do século XX

Seguindo a prática associativa da época, que criou inúmeras Confrarias em Alagoas, Manoel Luiz Correia, identificado com toda a carga de preconceitos contra os negros como “um preto humilde, honrado e bom“, propôs a seus companheiros de cor e da mesma faixa social a formação da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios.

O encontro que instituiu a Irmandade aconteceu no dia 3 de maio de 1833, utilizando como sede provisória a sala de reuniões da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e o primeiro provedor, José Antônio Rodrigues, um filho de escravos, foi empossado em 1836.

Por mais de 30 anos, esta Irmandade atuou sem ser oficializada, ficando sem patrimônio e sem os Compromissos. Funcionava provisoriamente utilizando os compromissos da Irmandade do Rosário. Somente pela resolução nº 448 de 17 de junho de 1865, assinada pelo presidente da província, João Baptista Gonçalves Campos, foi que os 65 artigos do Compromisso foram aprovados.

Igreja dos Martírios e uma procissão no início do século XX

Igreja dos Martírios e uma procissão no início do século XX

Entretanto, o período em que a Irmandade passou atuando extraoficialmente serviu para alterar radicalmente a sua composição racial e social. O artigo 1º do Compromisso definia que apenas poderiam participar da agremiação pessoas católicas de ambos os sexos, “exceptuam-se os cativos e libertos“.

Craveiro Costa, em seu livro de memórias “Maceió“, assim registrou esta mudança na composição dos associados: “Organizada por gente humilde, homens de cor, inclusive escravos libertos, com o prévio consentimento dos senhores, a confraria dos Martírios, com o correr dos tempos, aristocratizou-se“.

Assim, “irmãos pretos e pobres” foram substituídos por “homens bons” como o dr. Joaquim Pontes de Miranda, Comendador Firmo Lopes, dr. Demócrito Brandão Gracindo, Jacinto Paes de Mendonça, dr. Antônio de Mello Machado e tantos outros.

A Igreja dos Martírios

Igreja dos Martírios em 1923

Igreja dos Martírios em 1923

Foi o primeiro provedor da Confraria, José Antônio Rodrigues, quem construiu a Capela que deu origem a atual Igreja dos Martírios. Com a ajuda de vários fiéis e sob a liderança de  Jerônimo da Costa Belém e de Manoel Luiz Correia, a pequena construção foi erguida no sopé do morro do Jacutinga, logo abaixo do Alto do Urubu.

Segundo Guiomar Alcides de Castro, no seu livro “A história da Igreja dos Martírios”, a Capela foi construída em alvenaria de tijolo, com alicerce de pedra, “feito com barro e óleo de baleia“. E descreve o local como tendo ao fundo uma floresta verdejante, e na frente “o Largo se estendia coberto de mato eriçado pelo vento chicoteando os pés de jurubeba, muçambês, urtigas e vassouras-do-botão, enramados pelo melão-de-são-caetano”.

A cobertura era de telhas e a madeira utilizada veio das árvores do Alto do Jacutinga, alguns metros atrás da construção.

Em 1864, com a Capela arruinada, mas com a Confraria já nas mãos de outros segmentos sociais, o provedor Comendador Tibúrcio Alves de Carvalho autorizou o início das obras da nova Igreja dos Martírios. O sino, batizado de “Tibúrcio“, foi doado pelo próprio provedor.

Igreja dos Martírios nos anos 50

Igreja dos Martírios nos anos 50

Entre os vários artistas e artesãos que trabalharam na obra, estão registrados os nomes de Cândido Venâncio dos Santos, Manoel Luiz Coelho, Antônio Prado, Silvestre Manoel da Silva, João Pedro Xavier, Inácio de Gusmão e João Narciso Magalhães.

Como os fiéis ofertavam “minguados recursos” a obra começou a sofrer atrasos. Foi o Governo Provincial que, a partir de 1865, passou a manter a construção com vários donativos.

Em 13 de março de 1865 houve uma missa campal histórica no largo à sua frente. Reuniu os soldados do 8º Batalhão de Infantaria, transformado no 20º Voluntários da Pátria, que em seguida rumaram para Jaraguá onde embarcaram para participar da Guerra do Paraguai.

Em 1869, quando o provedor era José Joaquim de Araújo, a construção foi paralisada. A fachada já estava concluída.

Doze anos depois

A chegada, em 1877, do missionário capuchinho Frei Cassiano de Comachio da Penha deu novo impulso à obra.

Oriundo de Recife e atendendo ao convite do provedor dr. Joaquim Pontes de Miranda, Frei Cassiano logo conquistou a simpatia de todos e de forma convincente mobilizou a comunidade para trabalhar na construção da Igreja.

Félix Lima Júnior, na Revista do Arquivo Público de 1962, revela que “muita gente carregou tijolos, telhas, pedra, areia, barro e cal, da Levada, de Bebedouro, de outros pontos da cidade”.

A cumieira foi erguida em 31 de outubro de 1880, mas desde 11 de agosto que as imagens já tinham sido devolvidas à Igreja.

Manoel Gonçalves Guimarães, que era o Mordomo, foi um dos mais se esforçou para concluir a construção, o que ocorreu em outubro de 1881.

Igreja dos Martírios nos dias atuais

Igreja dos Martírios nos dias atuais

A inauguração da Igreja ocorreu no dia 30 de outubro de 1881. Não há registro da hora, mas os jornais da época registraram que houve uma missa campal celebrada pelo Frei Cassiano e uma pregação do paraninfo. Havia na frente da Igreja uma Guarda de Honra, representação de várias Irmandades e Banda de Música.

Às 16h ocorreu um imenso cortejo pelas ruas centrais de Maceió. “Pela rua do Comércio chegou aos Martírios a procissão, com a imagem do Bom Jesus de vestes bordadas a ‘ouro puro’, entre repiques dos sinos de todas as Igrejas, palmas, música, bombas e foguetes em profusão“, assim descreveu o cortejo a memorialista e jornalista Guiomar Alcides de Castro.

“No coro 10 moças cantaram hino composto pelo padre Alganez, musicado pelo padre Valadares, que falou depois da imagem ter sido colocada no altar”, detalhou Félix Lima Júnior.

Após receber investimentos importantes em obras de arte e ser reconhecida como uma das mais belas do Brasil, a Igreja dos Martírios, com a ação do tempo e a falta de manutenção foi perdendo o seu brilho inicial. Em 1971, pelas mãos do Frei Caetano Hunold, sofreu uma restauração significativa.

Atualmente, sem a manutenção e sem os cuidados necessários, é uma sombra do que foi no seu apogeu, quando as festas dos Martírios eram os maiores acontecimentos religiosos da capital.

Fonte: A História da Igreja dos Martírios, de Guiomar Alcides de Castro, Maceió, 1981; e Três Igrejas de Maceió, de Félix Lima Júnior, Revista do Arquivo Público de Alagoas de 1962.

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