Galinha e política, a Macarronada do Edson em 1988

Além da boa comida, muitas decisões da vida alagoana passam pelas mesas do Edson

A Macarronada do Edson era frequentada por artistas, políticos e profissionais da comunicação
Edson e seu famoso macarrão

Edson e seu famoso macarrão

Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Este ditado popular cai como uma luva para o caso final de amor entre Edson Aquino Vera Cruz e Josefa Maria dos Santos. Depois de anos de feliz casamento, com o casal administrando um suspeito boteco numa ruela do bairro da Ponta Grossa, onde meretrizes, rufiões, boêmios e personalidades da vida alagoana dos anos 50 se misturavam durante toda noite com muita conversa e encontros, regados a pinga e cerveja e o já famoso sarapatel do lugar, Edson e Zefa quebraram o pau e se separaram.

A partilha foi mais difícil ainda, pois o Edson ficou com o Buraco da Zefa e o transformou numa das mais conhecidas casas noturnas de Maceió – a Macarronada do Edson, e a Zefa, sob protestos e com muita raiva teve que mudar de endereço e se fixar a uma esquina depois, com o não menos famoso Bar da Zefa, que já foi motivo de reportagem da ÚLTIMA PALAVRA. “Fui fazendo uma limpeza na área, naquele tempo frequentavam muitas mulheres de vida fácil. Hoje a clientela é totalmente diferente, muitos políticos, radialistas, jornalistas, e vários governadores do Estado frequentam meu bar”, revela Edson.

"Privilégio de ver fazer a comida"

“Privilégio de ver fazer a comida”

Sobre a briga com Zefa ele não gosta de falar, mas diz ser invenção de sua ex-companheira que tenha batido nela várias vezes e de que o motivo da separação foi por ser bem mais jovem e dinâmico do que Dona Zefa. “Foi uma crise da Zefa, pois ela é que vivia enciumada“, diz Edson. Mas nessa briga de marido e mulher, quem ficou mesmo com a colher foi a competente cozinheira da casa, Dona Dolores, responsável direta pelos pratos deliciosos servidos na Macarronada do Edson.

Sala VIP

O freguês número um da casa e sócio fundador da macarronada, segundo Edson, é o senador e candidato a prefeito de Maceió, pelo PFL, Guilherme Palmeira. “Muitas decisões sobre o Estado de Alagoas foram tomadas aqui no meu bar. Muitos políticos, de todos os partidos, sempre frequentam a casa, não existe discriminação partidária, todos são bem servidos”, afirma Edson. Mesmo na “fase da repressão militar”, explica, “todos eles nunca deixaram a casa. Nesse tempo as conversas eram em tom mais baixo para evitar ouvidos mais espertos”.

E para dar mais segurança ainda aos políticos que quisessem se sentir à vontade para as conversas e decisões, Edson Vera Cruz criou um reservado dentro do bar, a que chama de “sala vip” ou “sala de reuniões”. Neste local, os fregueses, além de papearem com total autonomia, livres de bisbilhoteiros, podem presenciar ao vivo os vapores da cozinha. “Eles têm o privilégio de ver fazer sua própria comida, na hora, no calor das brasas”.

Dolores, no Edson, 26 anos de ótima comida

Dolores, no Edson, 26 anos de ótima comida

Figuras como o vice-governador Moacir Andrade, o prefeito Djalma Falcão, Dilton Simões, Freitas Neto, Renan Calheiros, Fernando Collor, Ronaldo Lessa, e outros políticos, de todas as colorações, revezaram a grande mesa da “sala vip” após comícios e ocasiões festivas. Edson faz outras revelações acontecidas em seu bar: “a candidatura de Djalma Falcão à prefeitura de Maceió foi tomada na “sala vip”. Na mesa estavam, entre outros, o deputado federal José Costa, o também deputado Sérgio Moreira e o vereador Bráulio Cavalcanti”. Outra decisão foi a entrada do governador Fernando Collor para o PMDB. Quase toda cúpula do partido estava presente e um jornalista presenciou toda cena, o editor do “Jornal de Alagoas”, Romero Vieira Belo.

Estrelas

Mas nem só de políticos é composta a constelação de estrelas que frequentam as mesas da Macarronada do Edson. Cantores, jornalistas, radialistas e intelectuais também fazem parte das noites e das tardes desse boteco que virou moda em Maceió, tanto é que até mesmo tele-táxis são vistos com frequência na porta do bar, buscando encomendas dos clientes — geralmente a macarronada. Cantores como Noite Ilustrada, Waldick Soriano (que cantou a famosa “Eu não Sou Cachorro Não” para o público presente), Luís Carlos Vinhas, Juvenal Lopes e vários jornalistas, como Leda Nagle, Celso Freitas, Armando Nogueira e o escritor Carlos Eduardo Novaes.

Mas o maior cicerone e mestre de cerimônia da Macarronada do Edson e também o maior “gourmet” é o jornalista Márcio Canuto. “O Márcio é a prata da casa, é ele quem faz a maior propaganda de meu bar para o pessoal do Sul”, diz Edson. E ele lembra um episódio de comilança de Márcio Canuto, quando de uma só vez devorou três macarronadas completas, acompanhadas com galinha ao molho pardo, leitão e camarão, as especialidades da casa. “No final ainda tomou três coca-colas e um ponche de limão”, recorda.

"Djalma foi o melhor prefeito"

“Djalma foi o melhor prefeito”

Outro glutão e apreciador dos temperos do bar é o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Adelmo dos Santos. “O Adelmo, depois de comer duas macarronadas, eu falei para ele que a conta seria da casa se ele comesse mais um prato de sarapatel a meu modo. Sabe o que aconteceu? Ele lambeu até o prato. Hoje não faço mais esta aposta senão a casa vai quebrar”. Outro jornalista de que Edson tem fortes lembranças é o saudoso Tobias Granja. “Ele sempre trazia lembranças para mim quando voltava do Rio de Janeiro. Chorei quando ele morreu tão estupidamente”.

Cabeça de burro

Perguntado qual teria sido o melhor prefeito da capital, Edson responde de imediato: “Djalma Falcão“. Explica-se, foi na atual administração que a rua em frente ao bar foi finalmente calçada. Edson foi sensivelmente prejudicado por um bom tempo, pois a Rua Tiradentes [Rua Baltazar de Mendonça] era um só buraco. Tanto é que os carros tinham que estacionar a mais de 100 metros de seu boteco. “Parecia mais que na rua tinha algum despacho enterrado, como uma cabeça de burro morto. Sofri bastante com o estado da rua, mas agora tudo melhorou”.

A Macarronada do Edson já foi palco de muitos episódios políticos, como também eventos inesperados: foram inúmeros os pedidos de casamento no recinto do bar. Hoje o que mais circula no bar são os candidatos a vereador, “feito água no mar”, diz Edson. Alegando que o voto é secreto, ele não revela suas preferências políticas para as eleições de novembro. “Aqui, indiferentes a partidos, todos são amigos, todos se abraçam. O importante para mim é servir bem”. Como num restaurante qualquer, a Macarronada do Edson não é local para farras, nem bebedeiras; quase sempre, como explica o proprietário, “todos já chegam aqui calibrados de fora, para saborear nossas macarronadas”. Se ficou rico com seu boteco uma resposta curta e grossa: “É assando e comendo, meu filho”.

*Publicado originalmente na revista Última Palavra de 16 de setembro de 1988. Edson Vera Cruz não está mais entre nós.

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