Estudantes “excedentes” e a criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas

O Ensino brasileiro iniciou a década de 1960 comemorando a expressiva ampliação do número de vagas nas universidades. Eram os primeiros frutos da política que buscava a expansão universitária adotada pelo presidente João Goulart.

Trote da primeira turma da Faculdade de Economia de Alagoas em 1957. Acervo de Elma Leite

Essa experiência foi consolidada em 1964, antes do Golpe Militar, no Programa Nacional de Expansão das Matrículas.

Os militares no poder adotaram outra política educacional e definiram, entre outras medidas, a prioridade para o ensino nos cursos que eles entendiam serem mais importantes para o desenvolvimento do país. O objetivo era “enxugar” as faculdades e reduzir a gratuidade do ensino superior.

Para se ter uma ideia dos resultados dessa orientação, basta comparar o crescimento das vagas em 1962 — aumentou 21,4% em relação ao ano anterior — e em 1966, quando o crescimento de vagas foi de apenas 0,7% em relação a 1965.

Estudantes de Medicina recebem o governador Lamenha Filho após a criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas em 1968. Acervo Wagner Torres

Estudantes de Medicina recebem o governador Lamenha Filho após a criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas em 1968

A partir de 1967, a cobrança por mais vagas forçou o governo a ampliar em 35% a oferta de matrículas, entretanto, com o acúmulo dos anos anteriores, os excedentes cresceram para 60,2% em relação a 1966.

Assim, em 1968 se confrontaram nas salas de aula e nas ruas as duas universidades: a dos militares, com ensino pago, seletivo, com a redução de verbas para as instituições de ensino; e a dos estudantes, que defendiam o ensino público, com mais ofertas de vagas e recursos para manter e ampliar o serviço.

Em Alagoas, o maior número de excedentes era do curso de Medicina da Ufal. Dos 184 aprovados, somente 70 conseguiram realizar matrículas.

Insatisfeitos, os alunos não matriculados tornaram pública esta situação e promoveram manifestações cobrando os seus acessos ao ensino superior. O DCE da Ufal e o Diretório Acadêmico de Medicina lideraram os protestos.

Uma das iniciativas dos estudantes foi a de constituir uma comissão e enviá-la a Brasília para discutir com o ministro da Educação e Cultura, Tarso Dutra, a abertura de mais vagas.

A representação estudantil era composta pelo presidente do DCE, Djacir Pereira; presidente do D. A. de Medicina, Rui Gameleira Vaz e pelos “excedentes” Sérgio da Hora, Roberto Lima e Carlos Augusto Morais.

Construção da Escola de Ciências Médicas e do Hospital de Doenças Tropicais no início dos anos 70

Construção da Escola de Ciências Médicas e do Hospital de Doenças Tropicais no início dos anos 70

Se a situação já não era boa para os estudantes, ficou pior. No mesmo período em que eles estavam desembarcando em Brasília, o reitor da Ufal retornava com a informação que o MEC não repassaria mais o restante do orçamento de 1967 e que no de 1968 haveria cortes.

Quanto ao excedentes, o MEC argumentava que o número de deles em Alagoas era bem menor que em outros estados.

O reitor da Ufal, dr. Aristóteles Calazans Simões, dizia que os protestos do movimento estudantil não tinham sentido, pois os inscritos sabiam que as vagas eram limitadas.

Esquecia ele que nos dois anos anteriores, quando os excedentes não chegavam a uma dezena, a Ufal providenciou as suas matrículas, abrindo as portas para essa possibilidade nos anos seguintes.

Nesse mesmo período, a Ufal priorizava a construção da Cidade Universitária. O seu Plano Diretor projetava a instalação das residências universitárias, sedes do DCE e FADU, além dos prédios para aulas e pesquisas.

Mesmo com tantos obstáculos, a mobilização dos estudantes na luta por mais vagas foi sendo ampliada e eles resolveram acampar na Faculdade de Medicina. Além disso, constituíram a Associação dos Excedentes e criaram a Comissão dos Pais de Excedentes.

Ganharam força e conseguiram também o apoio do governador Lamenha Filho, do secretário de Educação Ib Gatto Falcão, do arcebispo Dom Adelmo Machado e do comandante do 20º Batalhão de Caçadores, coronel Rogério de Araújo.

Dr. Ib Gatto Falcão participou ativamente da criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas

Dr. Ib Gatto Falcão participou ativamente da criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas

Sem respostas às suas reivindicações, os estudantes radicalizaram os protestos e no dia 4 de março de 1968 ocuparam o auditório da Faculdade de Direito durante a aula inaugural da Ufal. Durante essa manifestação, expuseram faixas e discursaram para os presentes àquela solenidade.

Dois dias depois a Câmara Municipal de Maceió aprovou requerimento do vereador Luiz Corrêa e instalou sessão permanente em apoio às reivindicações dos estudantes.

Ainda em março foi anunciada a solução.

Um acordo entre a Ufal, o Governo do Estado e o MEC estabeleceu que estes dois últimos destinariam cada um NCr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros novos) para viabilizar a matrícula dos 114 excedentes de Medicina.

Uma nota oficial detalhou o pacto:

“O Governador do Estado de Alagoas e o Reitor da Universidade Federal de Alagoas têm o ensejo de tornar público que dos entendimentos havidos com o Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Cultura, resultou o seguinte: a) A matrícula dos não classificados nos vestibulares de medicina em janeiro próximo passado; b) A criação de uma nova Escola Médica. Ressaltam outrossim que a solução encontrada decorreu do interesse do MEC e do esforço conjugado e harmônico do Governo do Estado e da Universidade de Alagoas, através da Comissão designada pelo seu Conselho Universitário. Rio de Janeiro, 25 de março de 1968″.

Placa de formatura da primeira turma da ECMAL em 1973. Acervo Carlos Holanda

Placa de formatura da primeira turma da ECMAL em 1973. Foto do acervo do dr. Carlos Holanda

Mesmo com o convênio somente sendo assinado um mês depois, as matrículas foram efetivadas imediatamente e, enquanto não se criava a nova Faculdade de Medicina, os estudantes tiveram aulas noturnas no prédio do então Instituto de Ciências Biológicas na Praça da Faculdade.

A Escola de Ciências Médicas de Alagoas foi autorizada a funcionar pelo Decreto Federal nº 66.320, de 16 de março de 1970. O seu reconhecimento se deu pelo Decreto Federal nº 73.764 de 6 de março de 1974.

Foi o secretário de Educação, dr. Ib Gatto Falcão, quem elaborou o projeto técnico aprovado no Conselho Estadual de Educação, possibilitando o reconhecimento no Conselho Federal.

O prédio para abrigar a Escola foi construído no Trapiche da Barra. A estrutura foi projetada originalmente para oito pavimentos, mas somente quatro foram construídos. Aconteceram ainda reformas no Hospital José Carneiro e na Maternidade Santa Mônica, que foram adaptados para o ensino médico.

A Escola de Ciências Médica foi instalada em 1970 durante um ato público no Teatro Deodoro. Em nome do governador falou o dr. Ib Gatto, que veio a ser o primeiro diretor da instituição (1970/73).

Em 5 de setembro de 1973, passou a ser controlada pelo Governo de Alagoas.

Fontes: A Mitologia Estudantil, de José Alberto Saldanha de Oliveira, Maceió, 1994; Ib Gatto Falcão, Um gigante das Alagoas, de Diógenes Tenório Júnior, Ed. Catavento, Maceió, 2007; e O ensino superior em Alagoas: sua participação no processo de desenvolvimento, da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, Maceió, 1975.

2 Comments on Estudantes “excedentes” e a criação da Escola de Ciências Médicas de Alagoas

  1. Prof Jose Damasceno e Silvio de Macedo trabalharam intensamente na criação da Escola de Ciencias Medicas!

  2. Há uma necessidade de retificação na informação que consta na foto sobre a construção da então ECMAL e do HDT. A história que conhecemos sobre a origem do que hoje é denominado “Hospital Escola Dr. Helvio Auto” não é da década de 1970 pois a instituição já existia desde o final do século XIX quando funcionou como Hospital de Isolamento. No ensejo, gostaria de ter acesso a mais detalhes sobre a história desta instituição centenária.

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