Estadia do navio-hospital HOPE em Maceió no ano de 1973

Navio-escola HOPE no Porto de Maceió

O Projeto HOPE foi uma iniciativa da fundação “The People-to-People Health Foundation Inc” (Fundação de Saúde do Povo para o Povo), estabelecida em Wisconsin, Washington, EUA.

Teve início em 1956, quando o presidente Eisenhower convidou o médico cardiologista William B. Walsh para elaborar um programa voltado para ajudar os povos dos países em desenvolvimento. Vivia-se a “Guerra Fria” e os EUA aprofundavam, estrategicamente, suas relações com vários países do mundo.

Construção do pier para atracação do HOPE no Porto de Maceió

Para montar o navio-hospital o governo americano cedeu o “USS Consolation”, veterano da II Guerra Mundial e do conflito coreano, onde prestava serviços hospitalares.

A adaptação foi concluída em 1960 e o navio rebatizado de “SS HOPE“. A primeira viagem foi para a Indonésia e o Vietnan (1960). Depois foram visitados o Peru (1962/63), Equador (1963/64), Guiné (1964/65), Nicarágua (1966), Colômbia (1967), Ceilão (1968/69), Tunísia (1969/70) e Índias Ocidentais (1971). Em 1971, antes de chegar ao Brasil, esteve no Caribe.

Chegada do SS HOPE a Maceió

Com 140 professores em todos os campos da Medicina, Odontologia e Enfermagem, o navio-escola tinha sua própria biblioteca médica, 108 leitos, vários equipamentos para diagnósticos e cirurgias, salas de aula, oficina de consertos e reparos, estação de rádio, bar, padaria, açougue, barbearia, além de cinema, igrejas, salões de refeições e de recreação.

Era considerado o como “O Navio Mais Bem-vindo do Mundo”.

Transportava também sua própria frota de veículos e tinha um gerador capaz de iluminar uma cidade de 12 mil habitantes. Acomodava ainda uma farmácia, três centros cirúrgicos, laboratórios, banco de sangue e almoxarifado com capacidade para sete toneladas de medicamentos.

Em 1973, o custo anual para manter o projeto era de oito milhões de dólares.

O primeiro contato para a vinda do Projeto HOPE ao Nordeste brasileiro aconteceu em junho de 1970. Donald Weaver esteve em Recife, em Pernambuco, e Natal, no Rio Grande do Norte, mantendo contato com as reitorias das universidades federais com o objetivo de implantar o que os jornais da época noticiaram como um “programa de intercâmbio científico”. Weaver era o administrador do Projeto em Washington, nos EUA.

William B. Walsh foi recebido pelo governador Afrânio Lages e autoridades alagoanas

Em novembro de 1970, alguns jornais já noticiavam que o navio-hospital iria a Natal, Rio Grande do Norte, onde permaneceria por dez meses. Entretanto, somente em outubro de 1971 é que foi firmado o convênio entre as secretarias estaduais de Planejamento e da Saúde, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Projeto HOPE. Foi implantado no início do ano seguinte com a chegada do navio no dia 16 de fevereiro.

O governo potiguar teve que investir 3 milhões e 400 mil cruzeiros na dragagem do porto para que ele tivesse condições de receber o navio.

A possibilidade do HOPE também servir a Maceió começou a ser discutida em uma reunião realizada no Palácio dos Martírios no dia 13 de maio de 1972. O governador Afrânio Lages ouviu as explicações de Royald, diretor do navio, e de Johnny Gregory.

O reitor da Universidade Federal de Alagoas, Nabuco Lopes, e o dr. Alfredo Ramiro Bastos, diretor da Faculdade de Medicina, também participaram do encontro.

Foram vistoriados o Porto de Maceió, a Cidade Universitária e vários outros equipamentos que seriam utilizados durante a permanência do HOPE.

Sala de aula do HOPE com enfermeiras

No final de agosto ocorreu nova visita de uma comitiva do HOPE a Maceió, desta feita com a presença do presidente da Fundação, William B. Walsh e familiares; Robert Nixon, do Conselho Diretor do Projeto; da enfermeira Mary Harrigan, chefe do setor de enfermaria; e Patrícia Endress, educadora de enfermagem, além de Jorge Verduzco, administrador da unidade naval.

O anúncio da presença do HOPE em Maceió ocorreu somente em julho de 1972. Ao divulgar tal decisão, o dr. Walsh justificou que era grande o interesse das cidades portuárias brasileiras, mas que a escolha recaiu sobre Maceió por seu porto oferecer maiores facilidades técnicas. Mesmo assim, o Porto de Maceió teve que construir um cais de atracação exclusivo para o HOPE a um custo de 590 mil cruzeiros.

Em outubro de 1972, uma nova equipe chegou a Alagoas para fazer levantamento global das unidades de saúde existentes com o objetivo de planejar o entrelaçamento delas com as ações do projeto HOPE.

Desembarcaram em Maceió: Madier Batter, Marylin Reymoelbs, Dorethy Aeschliman e Sandra Wisemer, todas da equipe de enfermagem do navio.

Enfermeira Barb Allen Pinto, Judy Seoldo e estudantes de Enfermagem de Alagoas no navio Hope

Após deixar Natal e permanecer alguns dias nos EUA, o HOPE voltou ao Brasil e atracou no Porto de Maceió às 18h do dia 15 de fevereiro de 1973 para permanecer nove meses prestando serviços em Alagoas.

Um verdadeiro carnaval foi organizado para recebê-lo, com direito a escolas de samba, blocos de carnaval, evolução de bois e bandas de música da Polícia Militar e do 20º BC.

Surpreendentemente, a principal atração do navio foi a enfermeira e bibliotecária Susan Agnew, filha do vice-presidente dos Estados Unidos.

Na recepção, falaram para o público o governador Afrânio Lages, o reitor Nabuco Lopes e o idealizador do Projeto HOPE, William B. Walsh. Este destacou que era a primeira vez que o navio voltava ao mesmo país.

A primeira cirurgia no HOPE em Alagoas ocorreu ainda na noite de sua chegada a Maceió. Em caráter emergencial, uma enfermeira do navio foi operada de deslocamento da retina por dois especialistas que vieram dos EUA somente para essa intervenção.

Dirigentes da Ufal e profissionais do HOPE

Além dos milhares de atendimentos médicos e ações educativas em várias comunidades, principalmente no Pontal da Barra e na Ufal, o HOPE também contribui para a inauguração, no dia 15 de outubro de 1973, do Ambulatório do então Hospital das Clínicas, atual Hospital Universitário. Esta unidade era vinculada à Faculdade de Medicina.

O local também recebeu limpeza da prefeitura da capital, que se comprometeu a asfaltar a via que dava acesso aos galpões onde funcionava a Superintendência da Petrobras, ao lado da Cidade Universitária, e que receberia setores administrativos da Faculdade de Medicina e os escritórios do Projeto HOPE.

A presença dos profissionais do HOPE também foi decisiva para a criação do primeiro curso superior de Enfermagem em Alagoas, autorizado a funcionar no dia 1º de novembro de 1973 pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da Ufal.

Dr. William B. Walsh, na Assembleia Legislativa, recebe o título de cidadão honorário de Alagoas e o de Doutor Honoris Causa da Ufal

Pelos serviços prestados, o dr. William B. Walsh recebeu no dia 13 de novembro, no plenário da Assembleia Legislativa, que funcionava provisoriamente na Associação Comercial, o título de cidadão honorário de Alagoas e o de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas.

Na noite de 13 de novembro, a administração do navio ofereceu uma festa de despedida no salão do Iate Clube Pajussara.

Dois dias depois, antecipando em quase 30 dias sua partida, o velho e cansado de guerraUSS Consolation” deixou Maceió com destino a Baltimore nos EUA, de onde só saiu desmontado, em março de 1975, com suas sucatas vendidas para o ferro velho. Maceió foi o último destino do histórico navio-escola.

No Brasil, o projeto manteve uma representação em Natal ainda por alguns anos. A enfermeira educadora Margaret Meim era a diretora deste escritório. O HOPE tinha um programa de continuidade em terra atuando, na década de 1970, em cinco países, além de dois programas em território norte-americano. Em Maceió, seus profissionais de saúde permaneceram por mais cinco anos.

O navio do hospital da Marinha dos EUA USS Consolation (AH-15) em curso fora de Inchon, Coréia, 8 de maio de 1952

24 Comments on Estadia do navio-hospital HOPE em Maceió no ano de 1973

  1. Grande e honesto registro.
    Parabéns.

  2. Jurandir M Cunha // 5 de novembro de 2017 em 22:10 //

    Estive no Hope com a Dra. Vitória Pontes de Miranda, quando ela participava das aulas, cheguei a me consultar também, fiz alguns exames, conheci a Nancy Anderson funcionaria administrativa, Dr. Victor Lipp, entre outros, deixou saudades.

  3. Foi um grande evento para a comunidade brasileira e particularmente para nós alagoanos. Na época concursava o terceiro ano de Medicina na UFAL , só tivemos oportunidade com as equipes nos galpões da Petrobrás. Mas eles apreenderam muito não só ensinaram. Os intercâmbios foram frutos até de casamentos entre profissionais da área da Saúde.

  4. Regina Maria dos Santos // 10 de novembro de 2017 em 21:15 //

    Duas das fotografias apresentadas pertencem ao acervo de imagens do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, a sexta e a sétima, de cima para baixo. A sexta é uma fotografia da solenidade de homenagem ao paciente e aposição da placa comemorativa da formatura da primeira turma de Enfermagem, ocorrida em julho de 1977. O local é o corredor principal do Hospital Universitário. Na foto vê-se as nove formandas, professoras do curso e enfermeiras vinculadas ao Project HOPE em Terra, quase 4 anos após a partida do Navio. A sétima fotografia foi feita na solenidade de inauguração do Laboratório de Habilidades do curso de Enfermagem da UFAL, equipado com modelos e material doado pelo Projeto, inaugurado em maio de 1978 durante as comemoraçãos da Semana Brasilera de Enfermagem e estão presentes a chefe do Departamento de Enfermagem, Profª Rosa Maria Silva Medeiros, a Dra Doris Emory Chaves que na época era diretora do Projeto, Dra June Sessil Barreras educadora em Enf. Psiquiátrica; o reitor, Dr José Medeiros, pro-reitor; – Prof. Alberto Antunes, diretor do HU, Dra Maria Nilda de Andrade docente da graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco; Dr José Araújo Silva diretor do CSAU à época e Dra Nancy pesquisadora estadunidente em pós-doutorado no Brasil pelo Project HOPE. Sou estudiosa deste acontecimento social e estive presente nos dois momentos.

  5. cicero manoel // 9 de dezembro de 2017 em 17:34 //

    Eu tinha 13 anos que momento tão esperado era a chegada desse navio; eu ouvia as pessoas adultas só falavam nisso; tempo bom o tempo da vergonha e honestidade no meio dos políticos de boa vontade…..

  6. convivi com o pessoal do HOPE e vivi bons momentos com a Nancy Anderson. Estive várias vezes no navio onde frequentava o excelente bar a bordo com os amigos que fiz naquele saudoso navio. Foram dias muito felizes. Tenho muitas saudades daquele tempo.
    Naelson Queiroz – 11 99118-6062

  7. Maria de Fátima Rocha Phillips // 20 de novembro de 2018 em 18:26 //

    Grande homenagem, bateu saudades. Casei com um dos tripulantes do Hoppe, tenho uma filha do mesmo. Hoje ele não está mais entre nós. Ficou os ensinamentos, e a saudade de todos.

  8. Fiquei feliz em ver essas fotos, elas fazem parte da minha história. Meu pai era um dos tripulantes desse navio!

  9. Zandra Candiotti // 17 de fevereiro de 2019 em 21:36 //

    Lembrança boa….emoçao forte relembrar fatos importantes da nossa história.Amigos queridos , amigos que se foram….

  10. Eva Farias de Sousa // 17 de fevereiro de 2019 em 22:43 //

    Que maravilha!! Adorei conhecer a história do navio HOPE.

  11. Iracema Pedrosa // 18 de fevereiro de 2019 em 01:45 //

    Eu tinha 8 anos de idade, quando o Navio HOPE chegou em Maceió. Meu pai, era professor e médico do Hospital das Clínicas – UFAL. Ele participou do Projeto HOPE e ficou encantado com o trabalho realizado pelos profissionais americanos. Meu pai era Medico Anestesiologista.

  12. Fernando Tenório Gameleira // 18 de fevereiro de 2019 em 14:40 //

    Eu era criança na época, com 10 anos. Lembro de ter ido ao porto, ver o navio de perto. Gostaria muito de ter vivido uma experiência assim como estudante de Medicina e como médico do HU.

  13. Fátima Freire da Paz // 20 de fevereiro de 2019 em 14:55 //

    Muita gratidão pela iniciativa do governo Americano nessa época, fui operada por médicos Japoneses e o sentimento q me vem é de q tive uma grande oportunidade, guiada pelos meus pais!! 🙏🏼

  14. Mario Cesar Jr. // 21 de fevereiro de 2019 em 14:20 //

    Parabens pelo relato e fidedignidade do mesmo!
    Esse evento é um marco para nosso estado e ainda tem muito a ser revelado

  15. Jandira Mello de Almeida Cahet // 18 de março de 2019 em 15:41 //

    Eu sou médica, na época fiz o sexto ano no Navio Hope, onde aprendi muito e amei ter conhecido os profissionais do mesmo. Feliz de quem fez parte desses ensinamentos.

  16. Li com imenso prazer a reportagem sobre o HOPE. Eu e a minha agência marítima Williams & Cia Ltda, fundada em Alagoas em 1880, tivemos a honra de sermos a agência marítima para atender o lindo Liberty Ship HOPE. Trabalhei por 9 meses para eles , que se esforçavam ao máximo para cumprir sua missão. Foi difícil, cansativo, mas extremamente gratificante. O inspirou o dono de um grande hospital de olhos de o Recife justo HOSPITAL DE OLHOS DE PE – HOPE ? Nunca perguntei ao dono. Grande recordação. Doação, trabalho voluntário : missão de anjos da guarda

  17. Naide Faustino Góis // 15 de outubro de 2019 em 18:55 //

    Como estudante de odontologia, cursando o último ano, participei de vários cursos, palestras, e tratamentos realizados por excelente profissionais e professores. Até hoje tenho uma miniatura desse Navio Hope, como também maravilhosas lembranças.

  18. Manoel Oliveira da Silva // 27 de janeiro de 2020 em 22:19 //

    Fui um dos contratados, como Intérprete e Tradutor do navio hospital SE HOPE, onde prestei serviços como voluntário durante
    Os 10 meses que o mesmo esteve
    atracado no Porto de Natal -RN.

  19. Naide Faustino Góis // 28 de fevereiro de 2020 em 17:39 //

    Participei de vários cursos, e palestras nesse maravilhoso navio. Na época estava concluindo o meu curso de odontologia. Tivemos aulas teóricas e práticas com os excelentes profissionais da equipe do Navio.Tenho várias fotos no navio.

  20. NAELSON P. QUEIROZ // 29 de fevereiro de 2020 em 12:30 //

    Oi, Naide. Que experiência fantástica, né. Eu também gostei muito.
    Olha, manda fotos prá mim. Essas que você tirou na época, por favor.
    Abraço e obrigado,
    Naelson

  21. Selma Twigg // 18 de março de 2020 em 02:42 //

    Uma experiência maravilhosa proporcionada por esse projeto a Alagoas! Muito know how compartilhado com nossos profissionais médicos além das várias cirurgias e tratamentos com a sociedade carente! Prestei serviços como intérprete voluntária naquele período. Fiz amizades duradouras e realizei meu sonho casando com um norte americano! Temos um filho hoje com 45 anos e continuamos a viver e envelhecer juntos! So very grateful for one of the most wonderful times of my life! Meu muito obrigado !!!

  22. Lourdes Mota // 19 de março de 2020 em 07:39 //

    Maravilhosas lembranças!
    Eu, aluna de odontologia da UFAL na época, participei de cursos e várias palestras que foram muito importantes em minha vida profissional. Muito feliz em recordar!!

  23. Maria Aparecida Amaral Ferrão // 5 de maio de 2020 em 21:38 //

    Esse navio e tda equipe salvou a vida de meu filho. Na época residíamos em Maceió e justo o ano em que foi diagnosticado pelo pediatra Dr. José Gonçalves Sobrinho, hoje falecido, com baixa de plaquetas no sangue. Meu filho com 5 anos de idade renasceu. Só tenho à agradecer.

  24. Genival denyson // 6 de outubro de 2023 em 07:51 //

    Depois de muitos anos, descubro q minha tia, irmã de meu pai, trabalhou como enfermeira nesse navio, alguns anos depois faleceu devido a um acidente, foi atropelada por um carro.
    Não cheguei a conhecer, mas gostei muito de saber da história.

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