Cyrillo de Castro: militar, inventor e homeopata

Manifestação popular no embarque de tropas em Jaraguá.
Rua Cyrillo de Castro na Levada, em Maceió. Homenagem ao comandante do 20º Batalhão de Voluntários da Pátria

Rua Cyrillo de Castro na Levada, em Maceió. Homenagem ao comandante do 20º Batalhão de Voluntários da Pátria

O texto a seguir foi publicado no jornal A Esquerda, do Rio e Janeiro, em 18 de janeiro de 1928, apresentado como “Comunicado epistolar de Moreno Brandão”. Uma raridade com informações importantes sobre a história de Alagoas e de algumas das suas personalidades, a exemplo de Cyrillo de Castro.

Curiosas reminiscências históricas

De Moreno Brandão

MACEIÓ, janeiro. (A.B.) — Em companhia de um presidente, com quem tinha um certo parentesco afim, chegou a Alagoas, aí por 1863, um gaúcho, oficial do Exército, de nome Cyrillo de Castro.

Vinha ele a estas plagas menos trazido pelo desígnio de se aproveitar de suas relações com o primeiro magistrado da província do que impelido pelo desejo de se restabelecer de pertinaz reumatismo, exacerbado quando ele destacava nas regiões austrais do país, e principalmente no Rio Grande do Sul.

O Nordeste, com certeza, ser-lhe-ia propício.

Consequentemente, aproveitou a oportunidade que se lhe deparou, para aqui fixar, por uma longa temporada, a respectiva residência.

E assim o fez, sendo então nomeado comandante da polícia.

Como era um indivíduo bom e sectário fanático da homeopatia, procurou, em sua permanência nestas plagas, lenir os males de seus semelhantes, aplicando a estes doses, gratuitamente liberalizadas a quantos precisavam de seus favores clínicos.

Cyrillo de Castro tinha também a bossa das invenções, o que evidenciou iluminando Maceió durante três noites consecutivas. Foi ele, portanto, o precursor desse sistema frustraneo [sic] de iluminação, da mesma forma que foi o alagoano Argemiro Augusto da Silva que, primeiro no mundo, procurou adaptar a eletricidade aos mistérios do clareamento das cidades.

Das experiências feitas em 1888 pelo inventor alagoano na metrópole de seu Estado, falaram largamente os jornais, muito embora a glória da descoberta viesse posteriormente a caber a outrem, ao passo que Argemiro Silva morria pobremente no Recife, onde mantinha um estabelecimento hidroterápico.

Falharam os tentamens deste último, como falharam os do Cyrillo de Castro, que, serenamente, continuou a comandar os seus “morcegos”, consoante a gíria popular, na incompreensão do valor da polícia, chama os modestos agentes de segurança pública.

Ia ele despreocupado cumprindo seus misteres e sentindo alguma euforia nos seus males reumáticos, quando estalou a guerra do Paraguay.

Conhecendo-se quase inválido, Cyrillo de Castro nem de leve pensou em ir se incorporar às legiões que marchavam para as terras do sul, com o fim de enfrentarem as hostes lopescas, fazendo como se dizia antigamente, “desnodamentos”, isto é, proponitos heroicos de nulificar os arreganhos sinistros e pervicazes do ditador paraguaio.

Sucedeu, porém, que o comandante da polícia, em companhia de sua bem pouca garbosa oficialidade, foi a palácio, com o menor belicoso dos fins.

Encontraram-se os que subiam com o cônego Antônio José da Costa, que ia deixando a moradia presidencial.

O cônego Costa, fundador do primeiro diário que existiu em Alagoas, onde a duração do mesmo se protraiu por quase meia centúria de anos, era um bravo que, durante a “Balaiada”, recebera honrosas e arriscadas comissões do então barão de Caxias.

Os seus gestos eram francos e decididos; as suas palavras, cáusticas, positivas e avessas a euforismos; a sua gargalhada, sonora estentorea.

Ao ver aquele pugilo de oficiais, disse o cônego, que também era capelão do Exército:

— Então, Cyrillo, você e os seus oficiais vão se oferecer ao presidente para marcharem para o Paraguai?

E sem dar tempo para uma resposta, acrescentou:

— Darei disto notícia no “Diário de Alagoas”.

Efetivamente, no dia seguinte aquele órgão de publicidade estampava uma notícia mais ou menos do teor seguinte:

“Soubemos ontem que o bravo coronel Cyrillo de Castro, acompanhado dos briosos oficiais de seu comando, vai oferecer ao presidente da província os serviços da corporação militar por eles dirigidos, no intuito de tomar parte na guerra promovida, em desafronta de nossos brios conspurcados, contra o tirano de Paraguai”.

Cyrillo de Castro chocou-se com a notícia, e, congregando os oficiais da polícia, disse que estavam na obrigação de fazer daquele “canard” uma realidade.

Fez-se o oferecimento, que foi aceito.

Muitos dos partiram anônimos daqui, regressaram cobertos de glórias ou retalhados de honrosas cicatrizes.

Cyrillo de Castro é que não voltou, pois, ao galgar, num lance incomparável de epicismo, a trincheira do Humaytá, uma bala certeira varou-lhe o coração heroico de gaúcho.

Nada se fez pela viúva do bravo oficial, e a memória deste apenas se deu a consagração irrisória de uma rua.

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O batalhão da Polícia Militar comandado pelo coronel Carlos Cyrillo de Castro foi transformado no 20º Batalhão de Voluntários da Pátria e embarcou 400 soldados para combater nos campos paraguaios. Na despedida, no dia 13 de março de 1865, as tropas desfilaram pelas ruas da capital sob aclamação popular.

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