Companhia de Polícia Feminina, uma conquista da mulher alagoana

Primeira turma de Policiais Femininas com o Secretário de Segurança, coronel Amaral
Pioneiras da Polícia Feminina em Alagoas

Pioneiras da Polícia Feminina em Alagoas

A presença de mulheres nos quadros das unidades de polícia no Brasil é o resultado da luta e perseverança de Hilda Macedo, assistente da cadeira de Criminologia da Escola de Polícia de São Paulo. Foi ela quem apresentou no 1º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia, em 1953, a tese da necessidade de criação de uma polícia de mulheres. Hilda argumentava que as mulheres eram tão competentes quanto os homens para realizar o trabalho policial.

Foi o governador Jânio Quadros, em janeiro de 1955, quem aproveitou a ideia de Hilda e pediu ao diretor da Escola de Polícia da época, Walter Faria de Queiroz, que estudasse a possibilidade de ser criada uma polícia de mulheres. Em 12 de maio de 1955 foi assinado o decreto nº 24.548, criando, na Guarda Civil de São Paulo, o Corpo de Policiamento Especial Feminino.

A própria Hilda Macedo foi convidada para comandar este Corpo de Polícia e tornou-se a primeira comandante da polícia militar mulher no país e na América Latina. A elas foi atribuído o trabalho de proteger mulheres e jovens, missão que atendia as necessidades sociais da época. Entretanto, a experiência pioneira de São Paulo não foi reproduzida imediatamente pelo resto dos estados brasileiros.

Somente em 1977 é que esta conquista voltou a ser abordada, quando foi regulamentada por portaria do Exército brasileiro, que considera as polícias Militares como forças auxiliares daquela instituição.

O Decreto-Lei nº 2.106, de 6 de fevereiro de 1984, que alterou o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, finalmente definiu que: “Os Estados, Territórios e o Distrito Federal poderão, se convier às respectivas Polícias Militares:
a) admitir o ingresso de pessoal feminino em seus efetivos de oficiais e praças, para atender necessidades da respectiva Corporação em atividades específicas, mediante prévia autorização do Ministério do Exército;
b) suprimir na escala hierárquica um ou mais postos ou graduações das previstas neste artigo; e
c) subdividir a graduação de soldado em classes, até o máximo de três”.

Em Alagoas, somente em 1987 é que surge a Companhia de Polícia Militar Feminina, criada pelo Decreto nº 31.837, de 14 de janeiro de 1987. O primeiro concurso foi no final daquele ano e três inscritas foram aprovadas para o Curso de Formação de Oficial, que ocorreu em academias de Pernambuco e Minas Gerais. O edital previa duas vagas, mas o comando da PMAL resolveu aproveitar mais uma diante das necessidades da tropa.

Militares mulheres tiveram que vencer várias barreiras na coporação

Militares mulheres tiveram que vencer várias barreiras na corporação

Estas pioneiras hoje são as coronéis Ana Paula, Cláudia, Clara, Ana Maria e Fátima. Em 1991, quando retornaram a Alagoas, ingressaram imediatamente na recém-criada Companhia de Polícia Feminina, quando a PM tinha como comandante o coronel Rocha.

Em 1988 foi realizado concurso para o primeiro Curso de Formação de Sargentos e de Soldados Femininos. Este último formou 36 soldados em oito meses. Para o curso de sargento, que teve início em 1990, foram aprovadas doze inscritas, mesmo que o edital previsse somente cinco vagas. Estes cursos foram realizados no Centro de Ensino e Instrução da PMAL.

A Companhia foi instalada com 47 militares mulheres, que tiveram que vencer várias barreiras na corporação, um universo predominantemente masculino. A major Valdenize Ferreira, em entrevista concedida em 2009, enumerou os fatos que marcaram o início da profissão destas mulheres.

Segundo a major Valdenize, para ingressar na corporação àquela época, a mulher militar enfrentou preconceitos e exigências que chocavam com a sensibilidade versus vaidade inerente às mulheres.

“Só entrava na Polícia Militar quem tivesse no mínimo 1,70 de altura, fosse solteira, não tivesse filhos e só poderia casar depois que completasse dois anos de ingresso na corporação”, lembrou a major, emocionando-se ao recordar o choro das mulheres, sobretudo as de cabelos longos, que tiveram de cortá-los bem curtos, como forma de se assemelhar à aparência masculina.

Soldado Gracy Kelly, em 2015 era a única policial militar feminina da Companhia do Sertão

Soldado Gracy Kelly, em 2015 era a única policial militar feminina da Companhia do Sertão

“Mulheres de cabelos longos tiveram de cortá-los e muitas choraram”, reforçou, deixando patente que o sacrifício das primeiras praças, neste aspecto, não se repete nos dias de hoje. As policiais conquistaram as madeixas longas e podem soltá-las fora do horário de expediente. De acordo com ela, a exigência era uma forma de puni-las, uma vez que, na visão dos homens, elas estavam invadindo o espaço deles.

“Eles eram tímidos e desconfiados e não sabiam a dosagem de cobrança de trabalho. Exigiam que fôssemos supermulheres, mas em compensação fomos muito bem preparadas para a vida policial militar. Eles cobravam demais e a gente se preparava demais”, ponderou a major, salientando que, atualmente, em todos os postos ocupados por homens há mulheres desempenhando as mesmas funções, a exemplo do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Radiopatrulha, funções burocráticas, entre outras.

Ainda segundo a major Valdenize, para ingressar na carreira militar, a mulher precisa ter coragem, motivação e disciplina, uma vez que vai trabalhar em defesa da sociedade. Ela lembrou um episódio em que ficou ferida na cabeça durante uma ocorrência, quando um homem tentava matar a esposa. “Coloquei a arma para trás e lutei com ele, com os outros policiais. Ele tinha um objeto cortante e atingiu minha cabeça. Levei vários pontos”, conta, orgulhosa por não ter usado a arma de fogo que portava, para se defender.

Na opinião dela, o conceito da Polícia Militar em Alagoas mudou de forma significativa com a presença feminina, trazendo razão e sensibilidade ao trabalho da corporação. “A mulher tem uma visão mais ampla de sua aplicabilidade de polícia junto à sociedade porque tem mais sensibilidade em momentos críticos. A mulher se sente parte da sociedade e, por essa razão, se sente mais segura nas missões, planejando melhor e buscando a perfeição”, reforçou a major Valdenize, que na época da entrevista era a coordenadora do Programa de Educação e Resistência às Drogas e à Violência (Proerd).

Tenente Danilva, à frente de grupamento durante instruções do III ENOR, em Arapiraca

Tenente Danilva, à frente de grupamento durante instruções do III ENOR, em Arapiraca

A então subtenente Luciane Souza, do Batalhão da Polícia Escolar, também integrante da primeira turma de praças femininas, disse que ingressou na carreira por falta de opção de emprego aliada à influência de alguns policiais na família. “Achava as solenidades militares bonitas, mas não tinha a menor noção do dia-a-dia da profissão. Encontramos um ambiente masculinizado e tivemos de nos adaptar aos policiais e eles a nós, mulheres, recém-chegadas à corporação”, lembrou a subtenente.

Segundo ela, os ajustes necessários às duas partes trouxeram como saldo a mudança de comportamento dos componentes da PM. “Eles (policiais masculinos) foram se moldando à gente, apesar da desconfiança no que se refere ao nosso potencial. Demonstramos que segurança não se faz só com truculência e uso de força, mas há situações em que há espaço para diálogo e resolvê-las sem violência”, destacou.

De acordo com ela, as mulheres à época atuavam em funções específicas, trabalhando com crianças ou como relações públicas, mas quando se deu a unificação dos quadros, elas conquistaram os mesmos cargos que os homens. Outro avanço que a adesão das mulheres trouxe à PM diz respeito à revista de mulheres, uma vez que somente os homens eram revistados. “A partir de então, as mulheres passaram a ser revistadas por policiais mulheres e os homens, por policiais masculinos e femininos”, contou a subtenente Luciana.

Entre os momentos difíceis que marcaram suas vidas, as militares recordaram da Operação Cor-de-Rosa, quando a artista Xuxa Meneghel visitou Alagoas, levando-as a permanecer durante três dias de pé e salto alto, fazendo a segurança da população e da estrela.

Houve um período, com a reorganização da PM, que várias Companhias Femininas foram criadas dentro dos Batalhões. Hoje não existe mais nenhuma Companhia Feminina. As militares mulheres participam da mesma forma que os homens de todas as funções existentes na Polícia Militar de Alagoas.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*