Cheia de 1924 em Maceió

A Praça Dois Leões em Jaraguá também foi atingida pela cheia em 1924

Nos primeiros meses de 1924 vários estados do Nordeste e alguns do Sudeste, principalmente o Rio de Janeiro, foram atingidos por verdadeiros dilúvios, com inundações e enchentes provocando destruições e mortes.

Os jornais da época registraram, por exemplo, que em Recife, Pernambuco, os bairros da Várzea, Iputinga, Caxangá, Barbalho, Poço, Apipucos, Dois Irmãos, Afogados, Cordeiro, Zumbi e a Ilha do Leite estavam embaixo d’água.

No Ceará, um dos estados mais atingidos, as inundações arrastavam para os leitos dos rios tudo que encontrava pela frente. Açudes e barragens se romperam matando muita gente. Os rios Salgado, Jaguaribe e Banabuiú foram responsáveis por grandes enchentes.

O Rio Parnaíba, no Piauí, também recebeu muita água e transbordou causando transtornos em vários municípios, principalmente na capital, Teresina.

No Rio Grande do Norte, que já vinha sofrendo inundações desde os primeiro dias de abril, os jornais anunciavam que os prejuízos maiores se deram com a destruição das plantações de milho. Nos vales dos rios Ceará-Mirim e Traíra as perdas foram totais. O Rio Potengi também transbordou arruinando as plantações de cana de açúcar, engenhos e derrubando inúmeras casas.

Em 17 de abril as chuvas continuavam a provocar danos no Rio Grande do Norte. O canal do Timbau, em Goianinha, atingiu 200 metros de largura. O Inharé voltou a inundar Santa Cruz, destruindo totalmente a lavoura da região.

Na Paraíba, o rio que deu nome ao Estado destruiu a ponte ferroviária do Cobé no município de Cruz do Espírito Santo, que ficou inundado, semelhante ao que tinha acontecido em Itabaiana.

Av. Comendador Leão tomada pelas águas de 1924

Maceió

As chuvas que já eram intensas no início de abril em todo o Estado, caíram sobre Maceió num volume muito acima do normal durante 12 horas, entre 18 e 19 de abril, da sexta-feira para um sábado, provocando danos consideráveis à cidade, além de tirar a vida de pelo menos três pessoas.

O maceioense, que se preparava para o Micarême (carnaval fora de época, atual Micareta) no sábado e domingo, foi acordado no meio da noite para assistir a cenas como a da Rua Floriano Peixoto (Rua do Imperador), na área central da capital, com água ultrapassando um metro de altura e com seis imóveis destruídos nas proximidades da Ponte dos Fonsecas.

Era intenso o movimento dos soldados da Força Policial, Guarda Civil e do 20º BC socorrendo inúmeros casos de desabamentos. No Poço, Jaraguá, Levada, Reginaldo e Bebedouro centenas de famílias ficaram desabrigadas.

Os trilhos da Great Western entre Bebedouro e Jaraguá foram arrancados em diversos pontos. No bairro portuário, os armazéns das firmas Rosa Borges & Cia. e Carlos Lyra & Cia. também foram invadidos pelas águas, inutilizando parte das mercadorias ali estocada. A Ponte de Desembarque de Jaraguá foi atingida por ventos e ondas muito fortes e desabou.

Uma semana depois, o Diário de Pernambuco publicou que naquela data duas mulheres estavam feridas e internadas no Hospital de São Vicente: Joanna Cavalcanti e Anna Rita de Jesus.

Os mortos foram identificados como: “Antonio Manoel da Silva, pardo, de 40 anos de idade, Thereza de tal, preta de avançada idade, d. Anna Carolina de Oliveira, branca, de 23 anos de idade, casada, filha do sr. Octaviano Octávio de Oliveira, funcionário do Telegrapho Nacional. Essa senhora, cujas núpcias foram contraídas recentemente, desapareceu quando fugia ao alagamento de sua casa, numa das brechas da ponte dos Fonsecas”.

Os parentes de Honorina, uma jovem de 15 anos de idade moradora do Reginaldo, procuravam por ela no necrotério no dia seguinte.

Móveis e outros pertences das casas destruídas foram arrastados para o mar e apareceram na Praia do Sobral devolvidos pelas ondas. A polícia teve que intervir para reprimir o roubo desse material.

Vale do Reginaldo em 1924, após a tromba d’água. No alto da foto, o Seminário de Maceió

Vale do Reginaldo em 1924, após a tromba d’água. No alto da foto, o Seminário de Maceió

Governador detalha a catástrofe

Na Mensagem Governamental de 21 de abril de 1924, que abriu a 17ª legislatura em Alagoas, o presidente da província, José Fernandes de Barros Lima, relatou a cheia ocorrida três dias antes e forneceu detalhes sobre a catástrofe:

Elaborava os primeiros trechos da presente Mensagem, quando, na noite de 18 para 19 do corrente (abril), chuvas torrenciais, fortíssimas, tempestuosas, com uma violência de que não há noticia entre os coevos, caíram a nossa Capital e os subúrbios, inundando alguns, repentinamente, em diversos pontos, destruindo, por completo grande numero de habitações de população pobre que se concentra pela margem do Riacho Reginaldo, no arrabalde do Poço e margem do riacho Maceió, chegando a impetuosidade das águas a derrubar diversas outras casas que pareciam de construção sólida, em algumas ruas principais da cidade, invadindo também muitos armazéns, trapiches e casas particulares do bairro de Jaraguá, danificando mercadorias, ocasionando vultuosos prejuízos de toda sorte e cuja importância exata ainda não pode ser precisada.

Rua do Ganso, no Poço, em 1924

Rua do Ganso, no Poço, em 1924

Verdadeira catástrofe, que alarmou a todos, causando grande pânico e a todos consternando dolorosamente, foi sem dúvida produzida por algum fenômeno cósmico, como alguma grande tromba d’agua que tivesse, inopinadamente, desabado sobre os morros de circulam a cidade, despejando sobre esta. Tão brusca inundação que a todos apavorou e surpreendeu pela sua rapidez, chegou, em alguns pontos da cidade, a atingir a altura de dois metros.

A fúria das águas vertiginosas que, no espaço de 2 horas ou menos, produziu tantos males e estragos; ocasionou também a morte de 3 pessoas arrastadas pelas correntes.

Ponte de ferro da Great Western sobre o Salgadinho cheia de 24

Ponte de ferro da Great Western sobre o Salgadinho após a cheia de 1924

O próprio estadual, a ponte com estrutura de ferro construída em 1870, pelo então presidente da Província Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, denominada Ponte dos Fonsecas, sofreu consideráveis estragos, ficando inutilizada para o transito de veículos.

Também foi arrastada pelas cheias a ponte de ferro da Great Western entre Maceió e Jaraguá, impedindo o trafego.

Desabou igualmente a velha ponte de madeira sobre o rio Jacarecica, na estrada de rodagem para o Norte. Esta sofreu alguns estragos, em geral de pouca monta, no seu leito, sendo os dois de maior vulto o desabamento de um bueiro no lugar denominado Águas Férreas (a 5 quilômetros da Capital) e o de um pontilhão de madeira, sobre o riacho Lancha, em Ipioca, no quilômetro 21, o qual, agora mesmo, ia ser substituído, já estando contratada a sua construção em cimento armado.

Av. Comendador Leão alagada pela cheia de 1924

Av. Comendador Leão alagada pela cheia de 1924

Lembrada em verso e prosa

A cheia de 1924 no Nordeste, por sua magnitude, também foi registrada no cancioneiro popular. Luiz Gonzaga gravou em 1968 a toada A cheia de 24, de autoria do cantor e compositor paraibano Severino Ramos de Oliveira – o Parrá. Ramos é também o autor do sucesso Ovo de Codorna.

A cheia de 24

Doutor não foi brincadeira
Na correnteza das águas
Descia a família inteira
Quase não sobra vivente
Para contar a história
Assim falava mamãe
Aquela santa senhora } bis

Praça 13 de Maio, no Poço, também alagada pela cheia de 1924

Praça 13 de Maio, no Poço, invadida pelas águas da cheia de 1924

Descia gado e cavalo
Pato, peru e galinha
Cabrito, porco e carneiro
Tudo o que o povo tinha
Os açudes não podiam
Tantas águas suportar
Rio, riacho e lagoa
Tudo junto num só mar }bis

Os canoeiros lutavam
Passando podro no rio
Mas o remanso das águas
Corria água em rodopio
Afundavam as canoas

Rua Sá e Albuquerque na cheia de 1924

Rua Sá e Albuquerque na cheia de 1924

Na violenta correnteza
Parecia inté castigo
Do Autor da Natureza } bis

Meu Padim Ciço pediu
A Nossa Senhora das Dores
Que parasse aquela enchente
Que causava esses horrores
Quando terminou a prece
Logo parou de chover
O sol brilhou lá no céu
Para todo mundo ver } bis

7 Comments on Cheia de 1924 em Maceió

  1. Antonio Onety Vasconcelos // 11 de outubro de 2016 em 20:37 //

    Essa foi a “prova dos nove”, pois vem atestar a veracidade de um fato que meu falecido pai (1895-1988) relatava. Dizia ele que, – na idade de 29 anos -, nunca vira tão grande enchente do rio, em cuja margem situa-se a terra natal. E acrescentava :”Nesse rio Acaraú (Ceará), eu entrava na água já nadando, dentro da rua, com cavalete de mulungu.” Naquela região, o terreno sofre ligeira elevação, daí haver a cheia de 24 não ter devastado completamente o então povoado de Morrinhos.
    Eu resido no RJ desde abril/1960, tempo em que sobrevoei – vindo para a Velhacap, em bi-motor da NAB – a cidade de Orós, com açude cheio inundando tudo. É só ver os jornais da época.

  2. oneide Rodrigues Cavalcante // 23 de outubro de 2016 em 20:53 //

    Amei essas fotos! Não sabia dessa enchente em Maceió!

  3. Amei gostei meu vizinho falava pra mim escutando a noite a voz do povo Brasil no rádio entre 1966 a 1969. eu com 5 aninhos à noite professor que alegria Gratidão

  4. Sou uma agente de saúde Ace de Maceió e escrevo e sócia de uma organização não governamental quando criança morei em Murici /neta de Manuel Martins e Antônia Martins da Silva, feliz obrigada. K

  5. Marcos Monte // 21 de maio de 2021 em 21:25 //

    No livro A Causa Baptista em Alagoas, do missionário John Mein, publicado em 1929, o autor comenta a “tromba d’água” que atingiu Maceió. A intempérie ficou na história.

  6. Espantado aqui que o nem a matéria, nem o presidente da província faça menção à oração do “santo” padin Ciço que pôs fim à chuva que causou a enchente, conforme a letra de Severino Ramos cantada por Luiz Gonzaga. Terá sido mais um (forçado) esforço para manter o povo sob o catolicismo?

  7. Ótimo matéria, já tinha ouvido alguém falar que teve uma enchente que a água tinha chegado no paredão da Assembleia legislativa de Maceió.

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