Carlos Paurílio, a poesia com dois pés acima do mundo

Cabeça da Ladeira do Brito no início do século XX, onde ficava o Bar Único, frequentado por Carlos Paurílio

O mais velho de uma família de 12 irmãos, Carlos Malheiros da Silva nasceu na Rua do Livramento, em Maceió, no dia 21 de agosto de 1904, filho de Antônia Malheiros da Silva e do músico Hipólito Paurílio da Silva (faleceu no dia 25 de setembro de 1931).

Seu pai era despachante federal e dono de cinemas. Era dele o Cine Floriano — que depois veio a ser o Cinearte e São Luiz na Rua do Comércio —, o Cinema Delícia, na Rua do Sol, e o Cinema Odeon, estes últimos em parceria com um sócio.

Carlos Paurílio

Hipólito, um exímio violoncelista, e seu filho Antônio Hugo da Silva também tocavam na orquestra do Cine Floriano.

Antônio Paurílio, como ficou conhecido, alcançou grande sucesso como pianista romântico, principalmente quando o seu bolero Ansiedade foi gravado por Alcides Gerardi.

Após morar em Recife por alguns anos, Antônio voltou a Maceió e também fez parte da Rádio Difusora, tocando piano no Regional dos Professores e no Conjunto Horizonte, como lembra Ailton Vilanova na crônica Assassino Musical.

Com a fama de Hipólito e Antônio, a Família Malheiros passou a ser conhecida como Família Paurílio. Assim, Carlos, que tinha sido Malheiros e depois Silva, passou a ser Paurílio.

Carlos Paurílio

Iniciou seus estudos primários na escola da professora Augusta Tavares, na Rua General Hermes, Cambona. Depois estudou no Colégio 11 de Janeiro, do professor Higino Belo, e no Colégio Agnelo Barbosa. Concluiu seus estudos no Liceu Alagoano. Ainda no colegial passou dominar a língua francesa, provavelmente com a ajuda do professor Higino Belo.

Extremamente tímido, Carlos Paurílio assim foi descrito por Valdemar Cavalcante: “Parece que estou a vê-lo, miúdo, os olhos de chinês, a testa larga. E moreno, bem moreno”. No início era mais conhecido como Carlos Silva.

Muito cedo manifestou vocação literária. Aos 18 anos já escrevia e publicava seus sonetos, o que o levou a participar dos meios intelectuais.

Colaborou com as revistas Mundus, O Nordeste e Novidade. Esta última surgiu em 1931 sob a direção de Alberto Passos Guimarães e Valdemar Cavalcante.

Teve projeção nacional e sua plateia contava com a participação da elite intelectual de Maceió, a exemplo de Graciliano Ramos e Jorge de Lima.

Paurílio ainda escrevia para as revistas Casa Ramalho, Alvorada e Revista dos Funcionários Públicos, onde dividia espaço com Moreno Brandão, Félix Lima Júnior, Adalberon Cavalcante e Lêdo Ivo.

Anúncio na Revista Novidade, onde Carlos Paurílio escrevia em abril de 1934

Anúncio na Revista Novidade, onde Carlos Paurílio escrevia em abril de 1934

Participou ativamente do Grêmio Literário Guimarães Passos, fundado em 1927 e dos movimentos que surgiram nos rastros da Semana de Arte Moderna, causadora de efervescência na intelectualidade local.

Foi ainda membro da Academia dos Dez Unidos e do Cenáculo Alagoano de Letras.

Depois de participar da Festa da Arte Nova em 17 de junho de 1928, seguiu para São Paulo, levando na bagagem a revista Maracanan, da qual foi um dos fundadores.

Tentou viver no Rio de Janeiro. Ao final de 1928 regressa a Maceió.

Com 31 anos de idade e já trabalhando na Imprensa Oficial como revisor, Paurílio casou-se com Alzira Santana (irmã de Zacarias Santana), então com 25 anos.

Após o casamento, que aconteceu no dia 27 de fevereiro de 1936, Paurílio não quis deixar a casa da mãe por razões afetivas e econômicas. Então, Alzira foi morar com eles na Rua General Hermes, 196.

Nesta época, Paurílio já era dependente do álcool e frequentador das rodas boêmias da cidade.

Em depoimento, Alzira, já viúva, revelou: “Logo depois que casei descobri que não frequentava mais o seu emprego. Saía pronto para o trabalho todas as manhãs, mas não ia para lá. Ia beber com os amigos de mesa”.

Seu lugar predileto era o Bar Único, que ficava na Ladeira do Brito, antiga Ladeira Clodoaldo da Fonseca. Ele justificava: “Escrevo quase bêbado. É a única maneira que encontro para me colocar dois pés acima do mundo“.

Ou ainda, como explicou para seu amigo J. Silveira: “Corpo e alma se dependem. A alma quando é de cristal como a nossa, vive da sua tristeza, dos seus sonhos felizes e das suas mágoas. Possuo assim dois tipos de trabalhos: os que faço para ganhar, os que faço para vibrar a alma, para sonhar acordado“.

Morreu subitamente em 30 de dezembro de 1941, com apenas 37 anos de idade.

Seu irmão Paurílio Silva, que testemunhou seus últimos momentos, disse que ele chegou para o café matinal, perto das 9 horas, alegre e recitando. Ao sentar à mesa para o café, sentiu-se mal e disse: “Mamãe, estou sentindo algo estranho“. Continuou falando e foi para o quarto. Com edema agudo no pulmão, o ataque foi rápido. O dr. Ib Gatto foi chamado às pressas, mas quando chegou, nada podia fazer.

Em 18 de novembro de 1952, Oliveiros Litrentos publicou em sua coluna Livros e Ideias, no Diário de Pernambuco, um texto sobre Breno Accioly, que estivera em Recife no domingo anterior àquela data e que “a estas horas, talvez, esteja ele pisando as ruas da capital alagoana, da evocativa Maceió que, não sabemos porque, recorda-nos sempre, quando dela nos lembramos, o magro e versátil Aloisio Branco e aquele boêmio bêbado Carlos Paurílio, o autor desconhecido de na “Idade dos Passos Perdidos”.

Obras
Reflexos, tendo assinado como Carlos Silva prefácio do Faustino Oliveira, Maceió, Tip. M. J. Ramalho, 1923 (poesia);
Natura, edição do autor (poesia);
Idade dos Passos Perdidos, (Memórias Infantis) Maceió, M. J. Ramalho, 1933, (novela);
Solidão, Maceió, M. J. Ramalho, 1933, (contos);
– Teve o seu conto Bonde de Subúrbio escolhido para participa da Antologia de Contistas Alagoanos de Romeu de Avelar, Maceió, DEC, 1970, pg. 115-117;
Olhos Verdes participa de Os Contos de Alagoas – Uma Antologia, de Antônio S. Mendonça Neto, Maceió, Ed. Catavento, 2001, p. 77-80;
– O poema Elogio a Uns Olhos Azuis e Teu Poema, participa de Notas Sobre a Poesia Moderna em Alagoas. Antologia, de Carlos Moliterno, p 139-140.

Sobral

Carlos Paurílio

Diante das ondas barulhosas e dos coqueiros farfalhantes
invento um silencio que fale a mim mesmo.
As ondas vão e veem em ritmos perdidos
e os coqueiros nostálgicos acenam aos navios.

Traço pensamentos graves na areia
para ter consciência de que sou efêmero.
Ali, uma senhorita, com o verde dos seus olhos,
junto ao cavalete, pinta uma marinha.

O crepúsculo afunda-se no mar
os afogados vão ficar mais tristes.
Esqueço-me a soltar os sonhos como barcos
e a sacudir o coração para pescar poemas.

Sindbad

Carlos Paurílio

De um navio perdido sou marujo
E tento aproximar toda distância
Pois penso assim que de mim mesmo fujo
E que outros climas curam minha ânsia

Guardo ilhas anônimas no olhar
Que as geografias nunca registraram
As minhas mãos mais longas, de acenar
Ao hábito de adeus se modelaram.

Sou o Sindbad da última viagem
Para tão longe que de mim me esqueço
Parto sem saudade e sem bagagem

Uma ausência total de mim me escondo
E embora o amor longínquo, avulte e cresça
Debalde me procuro neste aonde.

Fonte:
Fascículo Carlos Paurílio vida e obra, de Heliônia Ceres. Série Difusão de Alagoanos Ilustres, 1984. Departamento de Assuntos Culturais

2 Comments on Carlos Paurílio, a poesia com dois pés acima do mundo

  1. Bravo! Que sensibilidade. Esse era meu Tio.

  2. A reencarnação dele ė mencionada aqui: https://youtu.be/C1VKpki74w8, inclusive é lido um poema dele da encarnação seguinte.

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