Bloco Meninos da Albânia: escreveu não leu, o pau comeu

Em novembro o histórico bloco Meninos da Albânia completou 30 anos da sua fundação

O histórico bloco Meninos da Albânia surgiu em plena comemoração da vitória que militantes do PCdoB conseguiram nas eleições para a prefeitura da capital em 1985. João Sampaio, candidato que contava com o apoio do governo e do prefeito, era considerado eleito, mas a oposição, com a candidatura de Djalma Falcão, surpreendeu e venceu o pleito.

Desfile do dia 7 de fevereiro de 1986. Foto de Plínio Nicácio

Como durante a campanha, o programa eleitoral de João Sampaio se referia aos jovens militantes do PCdoB como “meninos da Albânia”, surgiu a ideia de brincar com o tratamento pretensamente pejorativo criando um bloco de carnaval com esta denominação.

Meninos da Albânia foi fundado no dia 15 de novembro de 1985 e o primeiro presidente foi o jornalista Plínio Lins. Empossada, a diretoria procurou os radialistas Edécio Lopes e Floracy Cavalcanti, responsáveis pela expressão Meninos da Albânia durante o guia eleitoral, convidando-os a serem padrinho e madrinha do bloco.

Com o apoio e o entusiasmo de Edécio Lopes, o bloco começou a preparação do seu primeiro desfile em 1986. Enio Lins criou a logomarca e na sede do PCdoB foi montada uma oficina de serigrafia para a produção das “mortalhas”, os abadás da época.

O primeiro desfile

O carro de som Vermelhão, mesmo quebrado, garantiu música para o desfile de 7 de fevereiro de 1986

O carro de som Vermelhão, mesmo quebrado, garantiu música para o desfile de 7 de fevereiro de 1986. Foto de Plínio Nicácio

Meninos da Albânia estreou no domingo, dia 2 de fevereiro de 1986. A concentração foi na Praça Marcílio Dias, em Jaraguá. A ideia de desfilar no domingo anterior ao carnaval era ainda reflexo dos antigos banhos de mar à fantasia, que em 1986 não mais existia em Maceió.

Com o sucesso do baiano Trio Tapajós na campanha eleitoral, Meninos da Albânia definiu que adotaria o trio como amplificação do som, mas manteria o frevo como ritmo para os seus desfiles.

Sem recursos para contratar um trio baiano, a solução foi improvisar utilizando um meio caminhão sonorizado da Rádio Palmares, conhecido por Hulk – era verde, cor da rádio.

O desfile começou atrasado, ao meio-dia após os foliões serem “batizados” com a famosa bebida “Gargarejo de Dragão“.

A inexperiência levou o bloco a fazer o mais longo desfile de sua história. Os poucos mais de 200 foliões chegaram à Praia da Jatiúca no final da tarde. Mesmo com a reclamação dos músicos, a banda montada para o desfile, com Ricardo Mota e Luiz Pompe no comando, garantiu que o Meninos da Albânia cumprisse a maratona.

Como um dos objetivos do bloco era fazer a crítica política e social, e o ano de 1985 tinha sido rico em motes, foram apresentadas três músicas. Faziam referências ao emissário submarino, à Lei Seca e ao cometa Halley. Todas de Ricardo Mota. A última teve a participação de Roberto Barbosa.

Devido ao sucesso, o bloco voltou a desfilar na sexta-feira, dia 7 de fevereiro, à noite. Com o percurso reduzido e início na frente do CRB, na Pajuçara, e término no Alagoinha.

Como o caminhão de som não estava mais disponível e não se tinha dinheiro para banda, a solução foi o utilizar o Vermelhão, um velho carro de som (tinha sido comprado ao Circo Birinho), que quebrou logo no início e teve que ser empurrado. As músicas eram frevos gravados em uma fita cassete.

Crítica social

Meninos da Albânia na Pajuçara em 1987

Meninos da Albânia na Pajuçara em 1987. Foto de Plínio Nicácio

Em 1987, Meninos da Albânia desfilou nos dias 22 (domingo) e 27 (sexta-feira) de fevereiro. Os quase 500 foliões cantaram “Funaro Pacotão“, uma crítica ao Plano Cruzado II, e “Ai, Ai, seu Marcel”, que denunciava a má qualidade dos transportes públicos da capital.

O trio contratado chegou muito atrasado — não ficou pronto a tempo —, encontrando o bloco já cambaleando após o consumo de 300 litros da “Gargarejo de Dragão”. No desfile da sexta-feira, o som veio do micro-ônibus sonorizado da Pitú e a orquestra foi a do Maestro Manezinho.

Em 1988, o Meninos da Albânia esteve na Pajuçara nos dias 6 e 13 de fevereiro. A quantidade de foliões já era mais expressiva: quase 2 mil “meninos e meninas” cantaram “Imperador de Jaquetão”, uma ácida crítica a Sarney, que queria emplacar na Constituição o mandato de cinco anos.

A outra música trazia a preocupação com o Tequial da Salgema, principalmente porque em setembro do ano anterior tinha acontecido o acidente com cloreto de césio em Goiânia.

O problema com trio elétrico foi resolvido em 1988 com a contratação de um equipamento profissional e potente, o Folha Verde de Arapiraca, do empresário Jarbas Lúcio.

Chico de Assis foi porta-bandeira do Meninos da Albânia por muitos anos

Chico de Assis foi porta-bandeira do Meninos da Albânia por muitos anos. Foto de Plínio Nicácio

Neste mesmo ano surgiu a novidade do trenzinho, cedido pela Academia Vighor e utilizado para transportar crianças e idosos no percurso do desfile.

Os desfiles de 1989 foram marcados pelo clima de expectativa para as eleições diretas que aconteceriam no final daquele ano. Ricardo Mota fez “Rambo I”, cantando a pretensão do governador de Alagoas, Fernando Collor, de chegar à presidência. Sarney, que ainda era presidente, também foi homenageado com o “Pacote Social”, música que ridicularizava com o novo pacote econômico.

Nos dias 29 de janeiro (domingo) e 3 de fevereiro (sexta-feira) daquele ano, o bloco apresentou o hino oficial. A música de Ricardo Mota foi cantada pelos mais de 2 mil foliões e pelas pessoas que viam o bloco passar.

Escreveu não leu,
O pau comeu!
Fez jogo baixo,
Lá vai esculacho!

Nós somos a língua ferina do povo
Pra quem duvidava
Olha nós aqui de novo.

Nós somos o Bloco
Dos Meninos da Albânia
Mostrando na rua
O que tá podre no poder!

Em 1993, o Trio Folha Verde puxou o bloco Meninos da Albânia. Foto de Plínio Nicácio

Em 1993, o Trio Folha Verde puxou o bloco Meninos da Albânia. Foto de Plínio Nicácio

Os desfiles de 1990 comemoravam cinco anos de sucesso do Meninos da Albânia e trouxeram como novidade a parceria com alguns hotéis da capital, que passaram a incluir nos seus pacotes de hospedagem o ingresso para o bloco.

Nos dias 18 e 23 de fevereiro, o bloco Meninos da Albânia fazia a Pajuçara cantar que o presidente Collor, recém-eleito, agora era candidato a Papa. Além de “Rambo II”, outra música do bloco brincava com a publicidade da prefeitura de Maceió para aumentar a arrecadação do IPTU.

Em 1991, o romance quase secreto entre os ministros Zélia Cardoso de Mello e Bernardo Cabral foi mote para o Meninos da Albânia dançar bolero na avenida ao som de Besame Mucho.

Nos dias 3 e 8 de fevereiro de 1991, o bloco denunciava a fraude eleitoral nas eleições de Alagoas com “O Bando” e criticava o novo pacote econômico do presidente Collor com “Pinguim de Geladeira”, que dizia no refrão: “Eles ficam com o filé, e a gente leva macaxeira“.

Meninos “Órfãos” da Albânia

Desfile de 1991, quando o namoro dos ministros deu bolero na avenida. Foto de Plínio Nicácio

Desfile de 1991, quando o namoro dos ministros deu bolero na avenida. Foto de Plínio Nicácio

No início dos anos 90, a crise econômica e política que atingiu a Europa chegou à Albânia, afastando do poder o partido comunista. O bloco não perdeu a oportunidade de lidar com a nova realidade política sem perder o humor.

Foi a criatividade do jornalista Enio Lins que alterou o nome do bloco para Meninos Órfãos da Albânia, denominação utilizada a partir dos desfiles dos dias 23 e 28 de fevereiro de 1992.

Em 1993, o bloco desfilou nos dias 14 e 19 de fevereiro convivendo com uma nova realidade nas prévias carnavalescas de Maceió. Surgia o Maceió Fest, que naquele primeiro ano aconteceu em fevereiro com apenas quatro blocos.

A diretoria do Meninos Órfãos da Albânia não via com alegria o crescimento dos blocos de axé music, organizados com estruturas profissionais e contando com grandes investimentos na mídia e atraindo gordas verbas publicitárias.

O diretores do bloco não tinham pretensões empresarias e o amadorismo da orfandade albanesa foi, aos poucos, inviabilizando o bloco. Os custos cresciam e a contribuição dos foliões diminuíam, provocando prejuízos cada vez maiores.

Descontração e alegria eram as marcas dos foliões dos Meninos da Albânia. Foto de Plínio Nicácio em 1994

Descontração e alegria eram as marcas dos foliões dos Meninos da Albânia. Foto de Plínio Nicácio em 1994

Mesmo em crise, em 1994, o bloco fez os seus dois desfiles mais famosos. Nos dias 6 e 11 de fevereiro, uma multidão cantava alegremente “Galega Rapariga“, música de Ricardo Mota que brincava com a crise conjugal vivida entre o governador Geraldo Bulhões e sua esposa, Denilma Bulhões, que divulgou algumas bravatas quando soube de algumas aventuras do marido.

Ele me deixou por aquela rapariga
Saiu de mansinho, pegou um jatinho
E eu fiquei (p…) só pela vida.

Eu já tinha feito curso de boas maneiras
Veio a galega interesseira
E levou o otário, meu amor
Agora eu vou, vou jogar no mato
Meus 500 vestidos, 300 pares de sapato.

E pra ele eu digo: ladrão, ladrão, ladrão
Foi naquele jatinho que roubou meu coração.

Maceió Fest

Mácleim Carneiro Damasceno cantando com o bloco em 1997. Foto de Plínio Nicácio

Mácleim Carneiro Damasceno cantando com o bloco em 1997. Foto de Plínio Nicácio

Recebendo pressão do setor hoteleiro, o Maceió Fest, migra para datas próximas do final de ano ainda em 1994. O trade queria que a festa se realizasse em um período de baixa estação. O evento foi para o mês de dezembro e, no ano seguinte, para novembro. Os comerciantes também não queriam que o evento retirasse dinheiro das compras do Natal.

Em 1995, enfrentando imensas dificuldades para se manter, Meninos Órfãos da Albânia preserva o desfile na prévia, dia 19 de fevereiro, e resolve participar do Maceió Fest, mas mantendo banda própria e com sua música agora sendo a autoria de Mácleim Carneiro Damasceno.

A partir de 1996, o bloco volta se chamar Meninos da Albânia, após sua diretoria constatar que ninguém se referia a orfandade instituída em 1992. Os dois desfiles foram mantidos até 1998, quando o bloco passou a participar somente do Maceió Fest.

Em 2001, Meninos da Albânia se despede, em novembro, do Maceió Fest, tendo como atração a banda Timbalada.

Último desfile dos Meninos da Albânia no Jaraguá Folia de 2003

Último desfile dos Meninos da Albânia no Jaraguá Folia de 2003

No ano seguinte, 2002, o bloco volta às prévias no Jaraguá Folia no dia 1º de fevereiro. Em 2003, novamente em Jaraguá, faz um belo desfile, com jeito de despedida, anunciando o seu fim. Foi vencido pelas adversidades e pelas mudanças da realidade política e social de Alagoas.

Meninos da Albânia cumpriu o papel histórico de contribuir para que o carnaval voltasse às rua da capital, considerando que em 1986 elas estavam desertas para a folia, com exceção do pioneirismo da ainda troça Pecinhas de Maceió, que fez seu primeiro desfile em 1983.

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