Bebedouro dos nossos tempos

Praça Santo Antônio em Bebedouro, na década de 20

Por Jorge Vilar

Velho bairro de tempos festeiros da época do famoso Major Bonifácio, foi berço de gente importante. Ao chegar ao bairro no final dos anos quarenta, o Major Bonifácio da Silveira já não estava lá, mas, o seu espírito ainda vagava em Bebedouro penetrando nas cabeças dos garotos vindos, uns de outras partes do Estado e muitos nascidos à beira da lagoa Mundaú.

As festas e o carnaval, segundo os mais velhos, eram realizados pelo conhecido major Bonifácio atraindo gente de todo o Estado. Ainda alcancei as cavalhadas, quando dois grupos de cavaleiros, reunidos em dois pelotões, representando os cordões azul e encarnado, numa alusão aos pastoris que dançavam no Natal, corriam numa rua escolhida no bairro e que servia de corredor, onde era estendida uma corda com uma argola pendurada no meio, numa disputa para ver quem acertava o alvo, que era a argolinha. Quem acertasse mais vezes com uma seta aquela argolinha, ganhava prêmios variados.

Foi naquele ambiente sempre alegre que iniciamos a nossa vida ao lado de gente de nossa idade e hoje pontificando nas atividades mais diversas. Os meninos de ontem são hoje pessoas importantes, ou na pior das hipóteses, já partiram dessa para melhor. Lembramos de colegas de infância como se vivêssemos aqueles dias que, hoje são lembranças inesquecíveis.

Naquele período de nossa vida, anotamos a figura de um político em formação, que mesmo com a idade maior do que a dos garotos do nosso grupo, se aproximara com a intenção de procurar o nosso apoio para as suas pretensões políticas. Trata-se de Jorge Assunção, que alcançou no seu tempo, várias posições, começando como deputado estadual no governo Muniz Falcão, alcançando a Secretaria de Educação e se aposentando como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Cavalhada em Bebedouro, acervo do Museu Theo Brandão

Cavalhada em Bebedouro, acervo do Museu Theo Brandão

Jorge Assunção, como candidato, contratava forrozeiros e promovia festas numa casa na calçada alta na Praça Lucena Maranhão. Ali os jovens bebedourenses entravam na gandaia até de manhã. Daqueles jovens que gostavam das brincadeiras e dançavam a noite toda, entre outros anotamos a figura de um jovem, que chegara a pouco tempo e já se entrosara com os demais garotos que participavam daqueles encontros. Era ele: Emanoel Rodrigues de Mello, que pela cara de menino-nissei era chamado de “Neném”.

Ao nosso lado e de Lalá, outro garoto boêmio, que ao se entregar a bebida, faleceu anos depois. Os três: eu, Lalá e Neném formávamos o trio pé de ouro. Não havia festa no bairro que não comparecêssemos. Era uma disputa ferrenha. Nas festas na Praça Lucena Maranhão era que a disputa aumentava. Eu já iniciado na locução no Serviço de Alto Falantes do “Zé do Padre”, transmitia as mensagens das meninas para os meninos e vice-versa:

­­— Alô garota do vestido vermelho, pra mim você é uma garota piramidal. (Palavra muito usada naquelas festas de bairros).

E prosseguia a mensagem com fundo musical:

— Estou lhe esperando ao lado da Igreja. Ofereço pra você a próxima música. Assinado: Você já sabe.

Lógico, vinha a resposta:

— Alô, alô! Quem mandou uma mensagem, já sei quem você é. Espere-me no local de sempre. Da sua menina de vestido vermelho, com um beijo, ouça essa música.

Era assim a comunicação entre os jovens daquela época. Dentre eles estava lá o Neném fazendo sucesso entre as meninas. O tempo foi passando e nós os jovens-meninos tomando cada um o seu caminho diferente. Naquela época o conhecido Neném estava indeciso; seria jogador de futebol ou ingressaria na vida artística. Segundo ele nos confidenciava, deu um chute no futebol e abraçou a vida artística.

Já trabalhando em rádio ficamos afastados por algum tempo. Até que, depois de voltar de uma experiência fora de Maceió, encontramos o Emanoel Rodrigues numa nova empreitada: homem de rádio trabalhando na Rádio Difusora de Alagoas, depois de assinar o seu primeiro contrato em 1956, justamente, numa emissora de rádio.

Na Difusora ele criara um programa avançado para os padrões do rádio, de nome RÁDIO PICADEIRO, quando ao lado de Cavalcante Barros, dublê de Jornalista e humorista, se fantasiava de palhaço e num picadeiro faziam os mais variados papéis, fazendo com que as crianças e até os adultos ficassem deslumbrados com os dois.

Nascia ali a criatividade do Emanoel Rodrigues, que nascera com a veia humorística, começando a criar tipos e mais tipos, escrevendo para a interpretação de seus colegas na Rádio Difusora de Alagoas, despertando o interesse de outras rádios, fora do estado.

Caminhada brilhante levou o Neném de Maceió para o Recife, onde na Rádio Jornal do Comércio aprimorou mais os seus conhecimentos, fazendo com que seu nome chegasse ao Sul do país, sendo descoberto pelos grandes de São Paulo, chegando ao conhecimento de Cassiano Gabus Mendes, um dos maiores nomes do começo da TV, que mandou Lima Duarte buscá-lo entre outros grandes nomes que faziam parte do elenco da TV-Jornal do Comércio do Recife.

Nomes que ficaram conhecidos ao passar dos anos, fazendo parte de grandes elencos da TV, entre eles: Lúcio Mauro, Ludugero e Renato Aragão. Emanoel também passou pela Rádio Nacional do Rio e outras emissoras. Mas, foi na televisão, que ele, o alagoano nascido na cidade de Quebrangulo, em 1935, se destacou, criando os mais conhecidos tipos e personagens da nossa TV. Entre eles podemos falar dos TRAPALHÔES, criado por ele e o próprio Renato Aragão, atuando ao lado de Dedé Santana, Mussum, Zacarias e Ted Boy Marino.

Na parte pessoal, antes do sucesso alcançado pelo Emanoel, criado no velho Bebedouro, temos uma história para contar. O fato se passou, quando do nosso casamento com D. Myriam, na noite de 31 de dezembro de 1958. Ao exigir algumas vantagens para a realização da festa de nosso casamento, tivemos um desentendimento com seu Zezé, meu pai. Mesmo assim realizamos a festa nupcial.

No outro dia, logo cedinho aparece o Emanoel em nosso apartamento na Rua Formosa, no bairro de Ponta Grossa, cujo apartamento de tão pequeno que era, deveriam chamar de “apertamento”, em companhia de minha irmã Ivone.

Surpresa! Logo àquela hora, depois de uma noite de deboches e libertinagens, olhei para os dois e falei:

— Ô gente, isso é hora de fazer visitas. Oito horas da manhã, menos de um dia do meu casamento? Qual é, gente?

— Que visita que nada — respondeu o Emanoel — roubei a sua irmã e estamos aqui para ficar.

Essa não, respondi:

— Esse apartamento não cabe nada. Ontem à noite ao brincar com a minha mulher a cama quebrou-se. Precisei arranjar uns tijolos e estamos dormindo numa ladeira.

Parei e arrematei:

— Só tem uma saída. Vocês entram em contato com o Edécio [Lopes], que mora em Ponta Grossa e vão ver se arrumam uma caminha por lá.

Depois desse diálogo o Emanoel e Ivone reconhecendo que não era má vontade nossa desaparecerem. Foram para a casa do Edécio, que por sinal havia casado uns dias antes. Depois eu soubera que o Edécio cedera a sua cama para a lua de mel do Emanoel com a Ivone.

Voltando à caminhada do nosso colega e na época cunhado, havendo saído da TV-JORNAL DO COMÉRCIO de Recife, Emanoel foi levado para o eixo Rio-São Paulo, atuando como redator, produtor roteirista em vários programas, em quase todas emissoras de TV.

Em São Paulo foi direto para a TV TUPI, depois transformada em Rede Tupy. No Rio, esteve na TV Excelsior, Rede Globo, quando criou ao lado de Renato Aragão o famoso programa: Os trapalhões.

Puxando ao pai, José Rodrigues de Melo, que era radiotelegrafista dos Correios, Emanoel não parava e ficava entre Rio e São Paulo, transmitindo seus conhecimentos na profissão que abraçara. Nesse vai-e-vem ele escreveu roteiros para a XUXA, para o Costinha, para Silvio Santos, quando fora contratado pelo SBT e para nomes que fica difícil enumerar, de tantos que fazem parte de seu currículo, que daria um novo livro.

Emanoel, o garoto de Quebrangulo, das Alagoas, escreveu peças teatrais, livros, roteiros para cinema, entre eles o filme rodado em nossa terra, que levou o título inicial de O Açude e depois: O Inferno Começa Aqui. Nesse filme participamos como um papa defunto, ao lado de Sabino Romariz, Sebastião Alberto, nascido em São Miguel dos Campos, Cavalcante Barros, Ivana, minha filha, os filhos do Cavalcante, Bezerra Neto, entre os alagoanos e Castro Gonzaga, que participara da novela da Globo, intitulada Saramandaia, quando fez o papel do formiguento.

Falar do Emanoel e seus feitos no rádio, televisão e teatro é escrever outro livro. Estamos lembrando neste nosso trabalho os nomes, fatos e pessoas que participaram de nossa vida boêmia e radiofônica. Ele fez parte no início, na nossa juventude e depois quando abraçamos a mesma profissão.

Era assim o Neném para os amigos, como foram tantos que talvez, algum dia eu possa lembrar em outro trabalho.

Atualmente o alagoano Emanoel Rodrigues de Melo, depois de voltar a GLOBO, começou a trabalhar independentemente, morando em São Paulo, criou a sua própria empresa: EMANOEL RODRIGUES: PROJETOS E PRODUÇÕES INDEPENDENTES – São Paulo – Rio de Janeiro.

*Extraído do livro Vi, vivi, e estou contando, Jorge Vilar, 2004.

1 Comentário on Bebedouro dos nossos tempos

  1. Quando criança senti a maior alegria quando entrei no Bonde de Bebedouro a Maceió…

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