Prisões em Alagoas das lideranças do PCR em 1973

Foi o delegado Sérgio Paranhos Fleury quem comandou, a partir de Recife, as prisões do PCR em todo Nordeste

O Partido Comunista Revolucionário (PCR) foi fundado em Recife, em dezembro de 1966, por um grupo de revolucionários que tinha no seu núcleo central lideranças oriundas do movimento estudantil e de uma dissidência do Partido Comunista do Brasil.

O alagoano Manoel Lisboa foi um dos fundadores do PCR

São seus fundadores: Manoel Lisboa, Amaro Luiz de Carvalho (Capivara), Ricardo Zarattini Filho, Valmir Costa e Selma Bandeira. A presença de três alagoanos em sua direção permitiu que o partido rapidamente se estabelecesse em Alagoas.

Selma Bandeira também estava, em 1966, na fundação do PCR

Selma Bandeira também estava, em 1966, na fundação do PCR

Na época, o PCR atuava apenas no Nordeste, partindo da premissa teórica de que no capitalismo brasileiro a região apresentava contradições maiores entre as classes sociais por abrigar as populações mais pobres do país.

Esta visão refletia a enorme influência que a Revolução Chinesa tinha sobre parcela das organizações revolucionárias brasileiras daquele período histórico.

Em Alagoas, o primeiro organismo de base do PCR provavelmente foi formado em 1967, com a filiação da estudante de economia Maria Helena Raimundo da Silva.

Valmir Costa foi outro grande quadro dirigente do PCR

Valmir Costa foi outro grande quadro dirigente do PCR

Desse núcleo participavam ainda José Isnaldo Medeiros Leite, Eneide Medeiros Leite, José Costa Cavalcante (codinome Zé Mário).

Quem acompanhava a célula alagoana era o Flávio, codinome do dirigente Emmanuel Bezerra dos Santos. Manoel Lisboa também se reunia com os militantes alagoanos.

Entretanto, foi outra base, a estudantil, que conseguiu melhores resultados políticos. Foi formada a partir do recrutamento de Jeferson Costa, em 1970.

Emmanuel Bezerra atuou em Alagoas e foi um dos responsáveis pelo crescimento do PCR

Emmanuel Bezerra atuou em Alagoas e foi um dos responsáveis pelo crescimento do PCR

Emmanuel Bezerra, que veio de Recife encaminhado por Valmir Costa, fez o primeiro contato com Jefferson Costa, então iniciando no curso de História na UFAL.

Orientado pelo PCR, Jeferson conseguiu ser eleito para o Diretório Acadêmico do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. A partir desta conquista, os militantes do PCR tomaram a iniciativa de reestruturar o movimento estudantil.

Jefferson Costa em foto da sua ficha no DOPSE

A próxima vitória se deu em 1971 com a eleição de Denis Agra para o Diretório Central dos Estudantes (DCE), já com participação de Breno Agra, Fernando Costa e Denisson Menezes.

O trabalho político da organização era voltado para o movimento estudantil. Fora isso, existiam algumas panfletagens nos bairros de Maceió.

Ronaldo Lessa em 1969 em foto da ficha do DOPSE

Ronaldo Lessa em 1969 em foto da ficha do DOPSE

Uma das iniciativas dos líderes estudantis foi criar o jornal O DCE, que circulava periodicamente, sempre defendendo as bandeiras de melhorias do ensino público e denunciando o autoritarismo. Não demorou e os responsáveis pela publicação foram chamados pelo Exército e ameaçados.

Quem teve uma rápida passagem pelo PCR nesta época foi Ronaldo Lessa, uma das mais expressivas lideranças estudantis do período. Antes de ingressar no PCR, foi preso no dia 12 de abril de 1969.

Lessa tinha contato direto com Selma Bandeira e Manoel Lisboa, mas antes das prisões de 1973, Lessa já tinha se afastado do partido e estava trabalhando como engenheiro na construção da Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro

PCR e PCBR foram atingidos duramente

No início dos anos 70, a repressão política decidiu exterminar as organizações revolucionárias que defendiam a luta armada. Sequestro, torturas e mortes passaram a ser uma prática corriqueira da Ditadura Militar.

Várias organizações foram atingidas e, no Nordeste, duas delas, o PCBR e PCR, estão entre as que sofreram maiores perdas.

Do PCR, o alvo da repressão era Manoel Lisboa, que atuava com base em Recife. Assim, parte do aparato repressivo que atuava em São Paulo foi deslocado para a capital pernambucana sob o comando do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury, que ganhara notoriedade como chefe do Esquadrão da Morte, da Operação Bandeirantes e do extermínio das organizações políticas revolucionárias no Sudeste do país.

Em 1973, após várias prisões em Recife, sempre tentando localizar os principais dirigentes, a repressão chegou a Alagoas, também com prisões e torturas.

As prisões

Como o navio escola HOPE, dos EUA, estava ancorado no Porto de Maceió, a repressão fez circular o boato que as prisões se deram porque o PCR tinha programado colocar bombas no navio. Uma mentira absurda, negada por todos os presos.

Denisson Menezes

Denisson Menezes em foto da ficha do DOPSE

Entre julho e novembro de 1973 foram presos os estudantes: Denisson Luiz Cerqueira Menezes (estudante de Medicina), Norton de Morais Sarmento Filho (estudante de Letras), Miriam Soares Ferro (estudante secundarista, menor, de 17 anos), Jefferson Luiz de Barros Costa (estudante de Direito), Fernando José de Barros Costa (estudante de Medicina), Denis Jatobá Agra (estudante de Medicina) e Breno Jatobá Agra (estudante de Engenharia Civil).

Fernando Costa em foto da ficha do DOPSE

Fernando Costa em foto da ficha do DOPSE

Fernando Costa foi preso no dia no dia 28 de julho junto com sua companheira Miriam Soares Ferro. Seu irmão, Jefferson Costa foi preso no dia seguinte. Eles ainda tiveram seus pais, irmãos e primo presos por dois dias.

Denisson Menezes recebeu tratamento diferenciado da repressão. Ele tinha acabado de prestar serviço militar no NPOR e, para os militares, representava uma ameaça maior.

Foi chamado ao Quartel do Exército e lá foi abordado pelo sargento Canaã, que lhe perguntou se deveria chamá-lo de tenente Denisson ou Graciliano, seu codinome no PCR. Foi preso e levado para as dependências do DOI-CODI em Recife, onde foi barbaramente torturado.

Denis Agra

Denis Agra

Denis Agra, que estava viajando durante as prisões, ao voltar se apresentou à Polícia Federal junto com um advogado. Também foi preso e levado para Recife onde foi torturado no DOI-CODI.

Norton Sarmento Filho

Norton Sarmento Filho

Norton de Moraes Sarmento Filho , após fugir de Alagoas e ficar oito meses escondido no Rio de Janeiro sob a proteção de Tenório Cavalcante, foi preso na noite do dia 19 de novembro de 1973, no Rio de Janeiro.

Ficou no DOI-CODI por dois meses totalmente incomunicável, sendo submetido quase que diariamente a interrogatórios e sofrendo torturas psicológicas e físicas.

Depois foi transferido para Recife, onde continuou sofrendo torturas. Ficou detido na Penitenciária Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, por mais seis meses até ser absolvido.

Flávio Lima Silva em foto da ficha do DOPSE

Flávio Lima Silva em foto da ficha do DOPSE

Do PCR, ainda foram presos os advogados Flávio Lima e Silva e Paulo Azevedo Newton, e a economista Maria Helena Raimundo da Silva, funcionária da Secretaria de Planejamento do Estado.

Aliados também foram presos em Alagoas. Augusto Canuto, funcionário público, e os médicos Hélia Mendes e Luiz Nogueira Barros responderam a processos.

Na tentativa de prender Valmir Costa e Selma Bandeira em Alagoas, a equipe de Sérgio Paranhos Fleury veio a Maceió. Não conseguindo intento, prenderam seus familiares, sem que nenhum tivesse envolvimento político.

Breno Agra em foto da ficha do DOPSE

Breno Agra em foto da ficha do DOPSE

Lauro Bandeira, Maria das Graças Bandeira, Sônia Bandeira e Vera Lúcia Costa foram presos no dia 18 de agosto de 1973 e levados para o DOI-CODI em Recife, onde foram torturados por 30 dias. Durante a viagem, foram mantidos encapuzados no piso de um veículo, onde eram pisoteados e maltratados.

Semanas depois, em Recife, Valmir Costa e Selma Bandeira foram presos. Os policiais cercaram o prédio onde moravam em Casa Amarela e invadiram o apartamento. Foram levados algemados.

Manoel Lisboa escapou da morte em Alagoas

Já com os militantes do PCR em Alagoas na prisão, a repressão descobriu que Manoel Lisboa estaria vindo encontrar-se com um dos militantes que estava preso. O “ponto” seria na Praça Lions, no bairro da Pajuçara.

Breno Jatoba Agra conseguiu terminar o curso

Breno Jatoba Agra conseguiu terminar o curso de Engenharia Civil no final dos anos 70

Retiraram o detido e o levaram para o local como isca, antes tiveram o cuidado de amarrar tábuas as pernas dele para que não conseguisse correr.

Avisaram ainda que quando o Manoel Lisboa chegasse, ele se jogasse ao chão, porque iriam atirar de metralhadora. O objetivo era matá-lo.

Lisboa vinha de ônibus para Maceió e conseguiu escapar porque soube das prisões, desceu no bairro do Farol e se escondeu.

No dia 16 de agosto de 1973, poucos dias após este episódio, ele foi preso em Recife. Depois de sofrer as mais severas torturas sem dar nenhuma informação, Lisboa foi assassinado no dia 4 de setembro de 1973.

As torturas

Os presos do PCR sofreram torturas de todas as espécies: afogamento, choque elétrico, pau-de-arara, simulação de execução com bala de festim. Alguns ainda tiveram a presença dos pais, que foram trazidos à força para assistirem as torturas dos filhos.

Jefferson Costa abandonou o curso de História e hoje é um advogado conceituado

Jefferson Costa abandonou o curso de História e hoje é um advogado conceituado

Entre os torturadores, os presos conseguiram lembrar o codinome de dois deles: Doutor Santa Cruz e Valdique, que eram agentes do DOI-CODI de Recife. O único realmente identificado foi o sargento Canaã, que ainda continuou em Alagoas por algum tempo.

A maioria das torturas aconteceu nos galpões da Petrobras, no Tabuleiro, próximo ao Hospital Universitário.

Fernando Costa abandonou o curso de Medicina e hoje é advogado e dirigente partidário

Fernando Costa abandonou o curso de Medicina e hoje é advogado e dirigente partidário

Em depoimento à Comissão da Verdade, Alan Brandão, do Sindipetro Alagoas e Sergipe e o vigilante da Petrobras na época, Vando Santana Gomes, informaram que nessa área ficava o Parque de Tubos, Manutenção e Armazenamento da Petrobras.

Era um prédio de alvenaria, os demais prédios eram improvisados com telhas Brasilit. Havia também um laboratório. Em 1972 estes departamentos foram transferidos para Aracaju.

Em 1973, um capitão do Exército entrou em contato com o superintendente José Marques Neto para poder utilizar os galpões. A partir daí o Exército passou a entrar no local levando pessoas enroladas em mantas, dentro dos jipes da própria instituição ou em carros particulares.

Neste período, que durou quase dois meses, um soldado do Exército montava guarda no local durante toda a noite.

Em Alagoas, o comandante do Exército na época era o coronel Laury Capistrano da Silva.

Os inquéritos

Coronel Laury Capistrano da Silva era o comandante do 20º BC na época das prisões

Coronel Laury Capistrano da Silva era o comandante do 20º BC na época das prisões

Passada a fase das torturas, os presos foram encaminhados à Polícia Federal, onde continuaram sendo interrogados e sofrendo tortura psicológica.

Depois foram levados para o DOPS, onde passaram quase um mês incomunicáveis. Como quase todos eram estudantes universitários, a UFAL abriu inquérito administrativo para enquadrá-los no Decreto 477.

General Nabuco Lopes, reitor da UFAL no período das prisões

General Nabuco Lopes, reitor da UFAL no período das prisões

Quem presidiu o inquérito foi Joubert Tenório Scala e o reitor da UFAL era o general Nabuco Lopes. Os presos não tiveram acesso a advogado, permanecendo incomunicáveis durante o inquérito. Com a defesa promovida pelos próprios presos, aconteceu o esperado: foram afastados da Universidade por três anos.

Ficaram presos por, aproximadamente, oito meses. Três deles no Dops e cinco no Presídio São Leonardo.

Após este período, tiveram a prisão relaxada a partir de uma intervenção dos advogados José Costa e Mércia Albuquerque.

No julgamento, na Justiça Militar em Recife, Jefferson Luiz de Barros Costa, Fernando José de Barros Costa e Breno Jatobá Agra foram condenados a seis meses de prisão, mas como já tinham cumprido as penas, foram liberados no dia 9 de março de 1974.

Fontes: Memórias Reveladas, www.sindipetroalse.org.br e entrevistas com alguns envolvidos.

6 Comments on Prisões em Alagoas das lideranças do PCR em 1973

  1. Carlos Alexandre // 19 de junho de 2015 em 12:47 //

    Parabéns Edberto Ticianeli, por mais um capítulo da história de luta pela liberdade e contra a Ditadura Militar. São muitos nomes expressivos, alguns já ñ se encontram mais por aqui, mas que tiveram muita importância no alicerce político de Alagoas.

  2. Fernando Costa // 19 de junho de 2015 em 17:14 //

    Muito embora haja sido divulgado por um órgão da nossa imprensa, provavelmente por equívoco do relatório da Comissão da Verdade, à época das prisões me encontrava cursando Ciências Físicas e Biológicas na UFAL, enquanto o Jeferson cursava História na mesma Universidade. Posteriormente ao decreto 477, o mesmo ingressou no Curso de Direito do CESMAC ao passo que eu, durante 3 anos cursei Medicina na ECMAL, abandonando posteriormente o curso.

  3. Jurandir Machado da Cunha // 13 de novembro de 2017 em 08:50 //

    Conheci o Norton Sarmento, ele era irmão do meu amigo Louro (Lourival) e morava na Rua Ceará no Prado, eu garoto na época já ouvia comentários de que Norton era comunista, a polícia as vezes vinha prende-lo em casa. Conheci também o Fernando Costa gente fina, adorava bater papo com ele, uma pessoa inteligente, casado com minha amiga irmã Paulete Casado, pai do Fernandinho, Nanda e dos gêmeos Pedro e Flavio, há muito tempo perdi contato com eles mas gostaria de revê-los quando for a Maceió.

  4. katia moreira de paula gomes // 13 de novembro de 2017 em 17:47 //

    Trabalhei c/ Selma, quando já deputada. Quando o Ronaldo teve que se esconder no Recife, várias vezes levei encomendas. Denis, querido amigo. Depois fundamos, junto c/ Freitas Neto e , claro a brava Marivone, um outro partido já na legalidade. A sede era perto do Salgadinho. Creio que o Fernando Costa querido também estava O Jairo (Lauro) Mendes não era do PCR? Parabéns pelo excelente trabalho!

  5. katia moreira de paula gomes // 13 de novembro de 2017 em 17:51 //

    Tinha uma moça Lucia, que morava perto da linha do trem, à altura da santa casa. Lembra dela?

  6. O que me entristece é que diante de tanta luta, de tanta vida ceifada, idiotas analfabetos, animais não domesticados ainda vão às ruas pedir a volta da ditadura!

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