A Arte Nova em Alagoas

Mendonça Júnior discorda de Arnon de Melo e critica o papel do Grêmio Literário Guimarães Passos no modernismo

Rua do Comércio nos anos 40, ainda com os bondes elétricos
Escritor Mendonça Júnior

Escritor Mendonça Júnior

Por A. S. de Mendonça Júnior

Em sua lembrança de Jorge de Lima publicada no Diário do Povo, desta capital, o meu caro amigo Arnon de Mello faz umas afirmativas sobre a poesia nova, em Alagoas, que merecem umas tantas retificações.

Fazendo-as desejo muito mais servir aos silvios romeros de nossa literatura de bitola estreita do que opor embargos ao estimado confrade a quem me ligam os laços de velha estima que o tempo e a distância não destruíram, como diria uma norma de carta do Secretário Moderno.

Parece-me um tanto ousado afirmar-se ter sido por influência do sr. José Lins do Rego que o nosso Jorge de Lima deixou de contar nos dedos as saladas dos seus versos e atirou-se ao ritmo dissoluto de Essa Nega Fulô.

Mas isso é uma questão entre o Jorge de Lima e Arnon de Mello, os quais, sendo brancos e ricos, não irão além de uma conversinha amistosa pelo telefone. O que desejo escrever, à margem da crônica do preclaro confrade, concerne ao movimento literário de 1928, feita nesta mui heroica cidade de Maceió.

Acontece não ser verdade que os rapazes da Academia Guimarães Passos aderissem aos modernos processos literários. Pelo contrário, os componentes do Guimarães Passos, ainda Grêmio Literário, ficaram contra e sabotaram o movimento com todos os recursos de que dispunham.

A Semana da Arte chegou, em Maceió, com um pequeno atraso de oito anos e se fez por iniciativa do Cenáculo Alagoano de Letras e com a colaboração do Instituto Rosalvo Ribeiro.

Arnon de Mello entrevistado para o Jornal de Alagoas

Arnon de Mello entrevistado para o Jornal de Alagoas

Os moços do Cenáculo (Lavenère Machado, Mario Brandão, Arnaldo de Farias, Eusébio de Barros, Emílio de Maia e o autor destas mal traçadas linhas) e os membros do Instituto Rosalvo Ribeiro (Lourenço Peixoto, Zaluar de Sant’Ana, Eurico Maciel, Luis Menezes e outros) é que realizamos uns “zépereira canalha para dar uma surra definitiva nos deuses do olimpo”.

Creio que muitas pessoas se recordam do que foi essa semana de mocidade, de mocidade em toda a ampla acepção do vocábulo. De mocidade porque desejávamos destruir o passado, negávamos os valores consagrados e pregávamos rabos de papel no paletó dos velhos ‘mais respeitáveis. De mocidade porque foi uma festa de alegria, de ruídos, de risadas, uma festa de meninos tontos e sem juízo, com muito chope jorrando e uma “jazz-band” fazendo algazarra dentro da noite, na cidade provinciana e tranquila.

Waldemar Cavalcante e Aurélio Buarque que não faziam parte do Cenáculo, nem das outras instituições literárias, existentes na época, aderiram à saturnal, de que resultou uma revista — Maracanã — que ficou no primeiro número e inseriu colaboração de quantos haviam participado do movimento e ainda de Mota Maia, Carlos Paurílio, Aloísio Branco.

O que pouca gente sabe é que sofremos uma campanha tenaz por parte da Academia Alagoana de Letras. O Jornal de Alagoas chegou ao cúmulo de recusar dar notícias e publicar a nossa colaboração de crítica aos velhos ou de propaganda do novo credo. Houve quem procurasse D. Santino Coutinho, arcebispo de então, a fim de que ele não consentisse na publicação do noticiário e das crônicas de Waldemar Cavalcante, no O Semeador.

O Grêmio Guimarães Passos (Arnon de Mello, Diégues Júnior, Aristeu Bulhões, Raul Lima e outros) era uma espécie de Departamento infantil de Academia e hostilizou o mais que pôde a nossa cruzada de libertação literária. Raul Lima, numa secção que mantinha no Jornal de Alagoas, sob o pseudônimo de Ramil, não se cansou de atirar ironias sobre nós.

A nossa geração dividiu-se e dos velhos apenas Jorge de Lima e Jaime d’Altavila ficaram conosco.

O próprio José Lins do Rego, que tentamos atrair para o nosso lado, esquivou-se prudentemente numa atitude de quem não era peixe nem carne.

Ora, vir agora, o meu distinto amigo Arnon de Mello afirmar que os rapazes do Guimarães Passos se bandearam para o arraial em que Jorge de Lima construíra o Mundo do Menino Impossível, é um modo de duvidar da memória dos outros, a memória que, na província, principalmente em Alagoas, é muito boa por via dos peixes e das ostras que deglutimos e dos fosfatos que os boticários nos vendem fiado para que não nos esqueçamos de liquidar as contas.

A turma do Grêmio Guimarães Passos (perdoem, amigos, a rude franqueza) não se adaptaria, de modo algum, ao ambiente desordenado do Mundo do Menino Impossível, pois eram todos eles rapazes bem comportados, que andavam bem vestidinhos e tiravam notas ótimas nos estudos e no comportamento. A instituição que fundaram era uma miniatura da nossa Academia e eles timbravam em ser embriões de imortais, da imortalidade estadual com que o nosso silogeu conquistou Arnon de Mello e a mim.

É verdade que, tempos depois, a Guimarães Passos se renovava com a entrada para o seu seio de Alvaro Dória, Sebastião da Hora, Freitas Cavalcante, Alvaro Fagundes, Padre Sizenando Silva, Maciel Filho, Felix Lima Júnior, Paulino de Araújo Jorge, Carlo Paurílio, Lavenère Machado, Lobão Filho e muitos outros.

Além disso, porém numa noite memorável na Perseverança, a que estávamos presentes Arnon de Mello e eu, depusemos Mota Maia da presidência e elegemos Alvaro Dória, não sem ter havido uma ligeira cena de pugilato.

Desculpem se os ofendo, amigos fundadores do Grêmio Guimarães Passos, mas, entre vocês, jamais houve um só que fosse capaz de atirar uma pedra de verdade num lampião de esquina ou um petardo verbal no acendedor de lampiões, pois vocês se babavam de gozo diante de um alexandrino e eram capazes de cair de joelhos ouvindo o elogio de um patrono em nossa Academia.

Nós, os que fomos reprovados no liceu, que nunca conseguimos um plenamente nos exames, é que saímos atrás de Jorge de Lima repetindo o hoje tem goiabada da poesia moderna. E quando o poeta, por pudor ou medo de perder a clientela, se retraiu, nós rapazes de então, ficamos gritando sozinhos para surpresa da província e desgosto da Academia…

* Publicado no livro Tempo de Falar, Maceió, 1983, Segasa.

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